49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Célia Maria C. Gil

A Linguística e as Funções do Humor

Célia Maria C. Gil

Le rire est, avant tout, une correction
H. Bergson

A questão central de nossa investigação encontra-se na descoberta dos elementos dos chistes* que contribuem para provocar o riso. Temos consciência de que há numerosos fatores linguísticos, psicológicos e sociais que operam em todas as espécies de humor, inclusive nos chistes, e se relacionam de diferentes modos com o riso. Estamos interessada no estudo desses elementos que se encontram tanto no interior do texto como fora dele e se comportam como provocadores, de alguma forma, do riso.

Temos, ao lado de Bergson, três pontos a destacar: 1) o homem é o único animal que ri - se um objeto ou outro animal nos fazem rir é porque projetamos neles nossas características humanas; 2) a condição necessária para o riso é a insensibilidade - a emoção abafa o riso; é preciso não se comover; 3) o riso é social - dá-se dentro de uma comunidade de língua, de um grupo social. Não desfrutaríamos o cômico se nos sentíssemos isolados. Para compreender o riso, impõe-se colocá-lo no seu ambiente natural que é a sociedade; impõe-se sobretudo determinar-lhe a função útil, que é uma função social. (...) O riso deve ter uma significação social O Riso : Ensaio sobre a significação do cômico. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Guanabara SA, 1987, p. 12-14. .

Entendemos que o humor vai além do simples fazer rir (isso deixamos para o cômico). Sua crítica perspicaz, moralista e velada apresenta uma missão pragmática - tem função corretiva dos atos humanos e sociais.

Posição do espirito, forma criativa de analisar criticamente, forma de desmontar falsos equilíbrios - isto é o humor, cujo compromisso com o riso está na alegria que provoca pela descoberta inesperada da verdade. Não é a verdade que é engraçada. Engraçada é a maneira com que o humor nos faz chegar a ela. O Humor é um caminho! Ninguém entende de humor . Revista de Cultura Vozes , Petrópolis, Ano 64, V. LXIV, N 3, 1970, p. 21-37.

Partimos do pressuposto de que o chiste é um texto sui generis . Embora contenha muitos pontos em comum com textos não humorísticos, a análise, feita principalmente através da Linguística Textual e da Semântica, revela que o chiste apresenta características próprias na forma como estabelece a coerência e constrói a argumentação.

1. Todo chiste supõe a passagem do modo sério para o modo jocoso de comunicação. O emissor avisa os receptores de que a mensagem que vai passar pertence à espécie de humor conhecida como chiste. O modo de contar um chiste é diferente do modo realmente sério de comunicação que Grice chama de bona fide Logic and Conversation . COLE, P and MORGAN, J. L.(eds.) - Syntax and Semantics . New York: Academic Press, 1975, Vol. 8, p. 41-58. . Ocorre na primeira comunicação a substituição de um dito grave, circunspecto - que tem socialmente maior compromisso com a verdade - por um dito jocoso, alegre, que apresenta a verdade sob nova roupagem, por vezes bem mais eficaz. Essa substituição, sendo antecipada ao receptor, por meio de contextualizadores acaba por contar com a sua adesão para o entendimento do chiste e para o riso. No modo sério de comunicação o emissor está comprometido com a verdade dos pronunciamentos. No modo jocoso, o emissor abandona o comprometimento com a verdade, sem se tornar, por causa disso, um mentiroso ou um desequilibrado. A comutação se opera com a cooperação dos receptores, que se previnem para entenderem o discurso que se segue como um chiste e não como um pronunciamento sério e ativam em sua memória o modelo do que seja um chiste.

A comutação do modo sério de comunicação para o modo jocoso avança expectativas no receptor que se predispõe a aceitar como verdade qualquer tipo de chiste, os de non sense , por exemplo. O modo jocoso estabelece um mundo fantasioso, no qual as coisas possuem um modo diferente de existir. Veja-se o seguinte chiste:

Um menino engoliu um rato. A mãe levou-o ao médico que lhe receitou:

- Um gato de hora em hora.

- E se não der resultado, doutor? - perguntou a mãe.

- Bota um supositório de queijo.

Verifica-se que o absurdo das idéias desse texto cede vez à graça que provoca, dentro é claro, do modo jocoso da comunicação. Nesse parâmetro, o texto se garante pela coerência das relações rato/gato/queijo.

Portanto, a passagem do modo sério da comunicação para o modo jocoso se opera tanto no eu como no outro todas as vezes que se ouve ou se lê um chiste.

2. Constatamos ainda que o chiste é um texto essencialmente curto. Freud chama a atenção para a sua brevidade Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente . Trad. Margarida Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1969, p. 25-26. Citando os trabalhos de Jean Paul, que parafraseando a fala do velho tagarela Polonius de Hamlet, escreve: A brevidade é o corpo e a alma do chiste, sua própria essência Vorschule der Ästhetik . Hamburg, 1804. Apud Freud, 1905. . Lipps atribui importância à brevidade dos chistes, citando as suas palavras: Um chiste diz o que tem a dizer, nem sempre em poucas palavras, mas sempre em palavras poucas demais, isto é, em palavras que são insuficientes do ponto de vista da estrita lógica ou dos modos usuais de pensamento e de expressão. Pode-se mesmo dizer tudo o que se tem a dizer nada dizendo . Komik und Humor . Hamburg und Leipzig: Leopold Voss, 1898.

Estamos, pois, diante da questão que trata dos motivos que impelem o chiste a fazer economia de palavras. Devemos procurar pelas razões que o forçam a diminuir seu tamanho. É possível admitir que existe internalizado no receptor um código de gêneros que lhe permite identificar através do contexto e de certos indicadores linguísticos o tipo de texto com qual se depara. Feita essa identificação sabe então com precisão o que é pertinente ao texto. Dentro do texto a redução se dá também pelo pouco espaço que se destina à narrativa-apresentação. Já que o receptor conhece o tempo breve do chiste - um tempo que podemos chamar de vertiginoso - qualquer alteração nesse tempo provoca nele um sentimento insuportável de rejeição, pois quanto mais informação menor será o grau de tensão e de surpresa. Daí o fato de a narratividade estar basicamente no diálogo.

O chiste, uma das variedades da narração, pode ser considerado como um relato curto, picante e divertido que se serve essencialmente do diálogo em discurso direto. Os nossos textos estão sujeitos às especificidades descritas por Greimas para o caso dos discursos espirituosos. Eles apresentam traços formais constantes: 1) narrativa-apresentação, que prepara a história; 2) dialogação, procedimento que dramatiza a história e rompe sua unidade Semântica Estrutural : Pesquisa de Método. Trad. Haquira Osakabe e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix-EDUSP, 1973 . Claro está que esses traçso apontados por Greimas podem não estar sempre presentes, não aparecendo a narrativa-apresentação de modo explícito. É o caso de chistes como os que seguem:

A)

- Senhora, nunca vi um caso como o seu no meu consultório: Viúva e ainda virgem?!

- Claro, doutor, explica ela: Meu primeiro marido era arquiteto, só planejava. O segundo foi músico, só tocava. E o terceiro era técnico de televisão e só vivia dizendo: Amanhã eu venho...

B)

- Isto são horas de chegar?

- Que horas, mlher? Agora são apenas dez horas!

- Que dez horas o que, o relógio acabou de bater uma hora.

- Ah, e por acaso você já ouviu o relógio bater o zero?

Frequentemente o momento da dialogação ao mesmo tempo em que propõe problemas dá pistas e ativa o conhecimento de mundo, e, em chistes como os apontados acima, serve à narratividade do texto, tornando-os mais breves ainda. Para ajustar esses problemas preferimos entender que os chistes se estruturam em dois elementos: o antecedente e o consequente .

3. O chiste apresenta-se, então, como uma forma simples e original de argumentar, um silogismo. Em uma primeira parte, que estamos chamando de antecedente, o emissor apresenta as personagens, situa-as no espaço e no tempo, dá pistas para o receptor, ativa seus conhecimentos de mundo e, principalmente, opera a comparação dos scripts componentes do chiste. Na segunda parte, a que denominamos consequente e que não se encontra explicitamente no texto, acontece a conclusão, a intelecção do argumento.

Esses elementos estruturais do chiste apresentam-se como antecedente e consequente, ou seja, a presença do primeiro é necessária para o aparecimento do segundo. Um não existe sem o outro. Não podemos dizer que esses elementos se colocam um com o outro simplesmente na relação de anterioridade e posterioridade. O antecedente é causa do consequente. Não causa no sentido lógico do termo, mas no sentido dialético. Um é antiteticamente necessário para a existência do outro, estando, assim, em uma relação de oposição.

O mediador, ou gatilho, opera a passagem do antecedente para o consequente e pode assumir várias formas de acordo com o mecanismo utilizado pelo texto para produzir a oposição entre os dois componentes estruturais do chiste.

São de natureza vária os mecanismos linguísticos (gatilhos) utilizados para produzir o humor: fonológicos, morfológicos, lexicais, sintáticos e semânticos. Chamamos a atenção para o fato de que a cada caso emerge um tipo de problema linguístico, mas nunca se verá um só. Como exemplo, vejamos os seguintes chistes:

Fonológicos

Um sujeito avisou pro outro:

- Cuidado com o abismo.

E o outro perguntou:

- Que abiiiiiiisssssss... ...?

A extensão da vogal tônica e da consoante complementar do vocábulo abismo assim como a colocação das reticências no lugar da sílaba final do mesmo vocábulo provocam a passagem da primeira proposição para a segunda, ou seja, significam a queda no vazio profundo e, obviamente, a pressuposição da existência do referente. A surpresa do consequente é extraída não só do uso poético do signo, como também do fato de estar inserido o significado da resposta dentro do próprio significante da pergunta.

Morfológicos

O avião ultramoderno leva passageiros de diversas procedências. De repente, pane total, a confusão é generalizada.

Um inglês se dirige calmamente à porta de emergência tira do bolso uma caneta de ouro e, apertando um botão especial, a tem transformada num imenso pára-quedas.

Um americano salta pela mesma porta e tira de sua bag um isqueiro pára-quedas.

Aí chega o português e salta também.

... seu corpo é encontrado estatelado após uma queda livre de mais de dois mil metros. Ao resgatarem o cadáver, constatam que ele segurava na mão um vidrinho em cujo rótulo estava escrito: PARA QUEDA de cabelos.

Deixando de lado a representação que temos do português , tido em nossa cultura como ignorante, verificamos que estão em jogo neste chiste, de um lado a palavra composta pára - quedas (de parar + queda = aparelho que serve para reduzir a velocidade de um corpo no ar), que admite a pronúncia de menor duração, em uma única emissão de voz; de outro, o sintagma para queda de cabelos , de maior duração e no qual para é preposição, que indica finalidade.

Lexicais

Na loja da estação:

- Me dê uma ratoeira, rápido, que tenho que pegar o trem.

- Pera aí, disse o vendedor, desse tamanho nós não temos!

O humor se fundamenta na ambiguidade do verbo pegar . Ocorre, no caso, equívoco de palavras homônimas que provocam inversão de significados e, consequentemente, o riso.

Sintáticos

O freguês foi à farmácia e perguntou ao farmacêutico:

- O senhor tem remédio para barata?

- E o que é que a pobre baratinha está sentindo?

O processo de inversão sintática, pois a expressão para barata no nível fundamental pode ser entendido para a barata tomar ou para matar barata , desencadeia o humor. A posição vazia leva à inversão sintática do substantivo barata que da função de objeto passa para sujeito; além disso, há substituição da palavra veneno pela palavra remédio .

Semânticos

E aquele velho discurso do político sabido que já fez o maior sucesso por este Brasil afora?

- Eu falo pra vocês todos meus eleitores. Para a mulher, para o velho, para a mulher solteira e pra a viúva. Para o jovem e para todo mundo que, como eu, vive em busca da paz. Ah, a paz! vocês sabem, todos vocês aqui reunidos, que a paz é o sonho de todos nós. Por isso, deve destacar seis pontos fundamentais para a paz de todos nós:

1. A pomba é o passarinho da paz!

2. A mulher é a paz do passarinho!

3. O velho é o passarinho em paz!

4. A solteira não conhece a paz, nem o passarinho!

5. A viuva não vive em paz sem o passarinho!

6. O solteiro não deixa o passarinho em paz!

Como se pode observar, o texto tira a sua comicidade do valor polissêmico de passarinho e paz , a partir dos sentidos literais para os sentidos metafóricos que evocam a malícia. Esse jogo de palavras polissêmicas em muito favorece o humor, seja como produto de identidade de significantes (homonímia), seja como resultado de diversidade de significados (polissemia). É um recurso muito produtivo dada a ambiguidade que permite mais de uma direção argumentativa. Havendo sentidos diferentes da mesma palavra, os interlocutores podem atualizar um ou outro e facilmente chegar ao efeito cômico.

Os chistes não se utilizam somente de fatores linguísticos para provocarem o riso. Os fatores de natureza sócio-cultural evocam também estado emotivos e a graça da realidade que é focalizada, não estando, pois, a origem do riso, localizada em recursos especificamente linguísticos.

Geralmente, quando o gatilho não é essencialmente linguístico, o alvo são instituições sociais como a família, a igreja, enfim, as instituições controladoras da ordem social. Os políticos também se tornam objetos de irreverências e ironias, numa tentativa de diminuição das desigualdades sociais. Apontamos, então, para chistes do tipo:

O Generalíssimo Presidente vai passar seu fim de semana numa fazenda para descansar da dura tarefa de fazer feliz seu povo. Junto com ele vai aquele séquito de puxa-sacos habituais, secretários, relações públicas, ministros particulares, a corja. Terminado o dia, o chefe que caminhou pelos campos em seu belo cavalo retorna a casa da fazenda e está em seu quarto de banho lavando seu saco, quando entra um dos secretários, desavisadamente. O secretário vê o Generalíssimo peladão na banheira, fica estatelado na porta e, depois do susto, exclama todo pudibundo:

- Meu Deus!

Ao que o Presidente Generalíssimo, voltando-se, lhe explica:

- Pedroca, caríssimo, eu já te disse: Quando nós dois estivermos a sós, você pode me chamar por meu primeiro nome!

As sociedades latino-americanas, ouvindo o discurso e sentindo a presunção das Forças Armadas quando assumem o governo de seus respectivos países formam a idéia e criam a imagem de que os militares se julgam, nessas oportunidades, oniscientes e onipotentes, tal como se fossem deuses. Em primeiro lugar, não são eles que tomam a iniciativa de assumir o governo, mas, pelo contrário, são chamados, não se sabe por quem, a assumir essa tarefa. Deus também, segundo a crença mais divulgada na América Latina, só interfere nos assuntos humanos quando requisitado. Daí a necessidade das súplicas constantes e das promessas. Deus é um pai que está com os ouvidos atentos aos pedidos de seus filhos e se não intervém nos momentos de necessidade é porque faltou o pedido de socorro. Em segundo lugar, os militares só assumem o governo de seus países para salvá - los da desgraça. São os salvadores de reserva . Quando os cidadãos comuns não conseguem resolver os graves problemas que afligem a nação, entram em ação as Forças Armadas. Em terceiro lugar, os militares passam a idéia de que agem na política desinteressadamente. Tal como deuses, não precisam de nada nem querem nada para si mesmos. Trabalham apenas e exclusivamente para o bem do povo.

Através de uma descrição, o argumento cria o contexto no qual se encontra o Presidente Generalíssimo e define a situação em que o secretário exclama: Meu Deus ! O contexto aponta para o requinte dos costumes dos militares no governo e a situação para o ridículo de suas condutas. O receptor conhece a experiência da ditadura militar e participa dos juízos de valores expressos no texto sobre ela.

Neste momento, o argumento provoca o clímax do chiste fazendo com que o Presidente Generalíssimo, evocando os pressupostos culturais sobre o papel dos militares no governo, desvie a função da exclamação de seu secretário. De exclamativa a frase passa a ter a função apelativa. A proposta do texto não se dirige contra a natureza da ditadura, mas contra os seus exageros.

Sobre instituições, tomemos o chiste seguinte:

Uma mulher muito bonita entre na sacristia e fala para o sacerdote:

- Meu querido padre, por favor, impeça-me de ir para o inferno!

O padre olhou praquele mulherão ali na frente dele e falou com a carinha bem safada:

- Só se a menina me impedir de ir pro céu...

O principal pressuposto cultural encontra-se na suspeita de que alguns profissionais do sexo masculino como os padres, os médicos, os dentistas, que no exercício de sua profissão precisam permanecer a sós com suas penitentes ou pacientes e tratá-las de forma íntima, dificilmente conseguem fazer a distinção entre seus papéis masculinos e profissionais.

Outra suposição refere-se à constante transgressão do voto de castidade feito pelos padres e freiras. A cultura ocidental, entretanto, onde ocorre esse tipo de voto, sopõe que os apelos sexuais são mais fortes do que a obrigação de castidade.

Com a sua proposta, que se reveste das características da malícia, o texto acaba confirmando um pressuposto cultural e assumindo um colorido tradicionalista e consevador. O ideal seria que os padres e as freiras fossem castos, mas o fato é que não conseguem.

O humor neste texto se assenta nas suas duas leituras possíveis. As pistas levam para uma leitura, porém o gatilho faz com que o receptor acione o seu quadro de referências sobre os padres em geral e atente para a segunda leitura, que, não deixa de ser uma crítica ao comportamento desviante do padre e, por extensão, à Igreja Católica em geral.

Queremos salientar, com o que foi exposto acima, que o texto chistoso contém em si as representações e as imagens ligadas a prática sociais. As condições de produção dos chistes não se resumem a simples relações entre parceiros sociais, nem se esgotam nas regras que regulam a fala dos sujeitos, mas implicam o suporte de suas representações e atitudes.

4. Quando se conta um chiste, quem o conta tem a intenção de que ele seja entendido como uma unidade de sentido que sirva para estabelecer uma situação de comunicação. Quem o ouve ou lê tem a intenção de aceitá-lo também como chiste e procura determinar seu sentido. É um texto que se baseia na utilização de pressupostos da Linguística textual voltado para a situação concreta de interação comunicativa em que se encontram os usuários da língua.

Da mesma forma que em outros textos, no chiste também é coerência que faz dele um todo dotado de sentido para os usuários. A coerência dá conta do processamento cognitivo do texto e fornece as categorias que permitem a análise num nível mais profundo, envolvendo os fatores que estabelecem relações causais, pressuposições, implicaturas de alcance supraprasal, e o nível argumentativo. É o aspecto da organização e estabilização da experiência humana no texto Liguística do Texto: o que é e como se faz . Recife: UFPE, 1983. .

Como o texto vai além das expressões linguísticas que o compõe, reativando os conhecimentos e a experiência do dia a dia, tanto Marcuschi como Beaugrande-Dressler adotam os pressupostos da semântica procedural, que distingue dois tipos de conhecimento: a) o conhecimento declarativo, dado pelas sentenças e suas proposições, que organizam os conhecimentos de situações, eventos e fatos do mundo real, e b) o conhecimento procedural, dado pelos fatos ou convicções num determinado formato para um uso determinado ou um tipo de operação Introduction to Textlinguistics . London: Longman, 1981. . Portanto, para esses autores a semântica procedural opera através da interação entre a razão e a experiência, de modo que na construção e compreensão de um texto nem tudo se dá como uma sequência de operações lógicas o que leva Marcuschi a classificar os fatores de coerência em dois grupos: o das relações lógicas , que compreende as relações causais, a pressuposição, a implicação, a argumentação; e o dos modelos cognitivos globais , que são reproduzidos quando se vai construir ou decodificar textos escritos ou falados. Isto explica o porquê de certos textos serem de maior ou menor dificuldade de compreensão pelas pessoas, pois a dificuldade está nos modelos ainda não processados que exigem maior tempo e causam um certo estorvo. Esses modelos cognitivos, ou melhor, nosso conhecimento de mundo, que vamos adquirindo à medida que vamos nos socializando, ficam em nossa memória e formam nosso quadro de referência sobre tudo que há no mundo que nos cerca. São eles: os frames - conhecimentos que vamos adquirindo, representações coletivas de situações, nas quais os acontecimentos são constantes (festa de aniversário, festa junina, carnaval); os esquemas - acontecimentos encadeados especialmente numa sequência temporal ou causal (funcionamento de um automóvel, o uso do microcomputador); os planos - sequência de atos apropriados para atingir um objetivo (campanha política, pescaria); os scripts - conjunto de comportamentos que por diferentes razões estão ligados a um lugar social, ou a uma instituição. São altamente estereotipados.

Tomemos, para exemplificar, alguns chistes que trabalham com os scripts que temos em nossa cultura, a) do português, b) do judeu e c) do gaúcho:

Português - nos nossos chistes o português funciona como o protótipo do ignorante.

No Congresso Internacional de Astronáutica, o representante português anuncia, orgulhosamente:

- Nós seremos os primeiros homens a desembarcarem no sol!

- Impossível! Vocês morreriam queimados com todo aquele calor!

- Ah, mas nós não somos burros. Nós iremos à noite, ora pois!

Judeu - sempre tido nos chistes como o avarento, usurário, mão-fechada:

Jacó estava com o filho doente, era uma asma que não tinha remédio que curasse.

O médico disse que o único meio de Jacozinho ficar bom era dando um vôo de avião.

Jacó pegou o filho, foi para o aeroclube, procurou o piloto:

- Senhorrr, Jacó estarrr com o filho doente, médico receitarrr um vôo, Jacó não terrr dinheira, Sr. não podia fazerrr de graça?

- Não posso, custa R$ 500,00 a hora de vôo.

- Mas, Senhorrr, Jacó serrr pobre.

- Não posso.

- Mas, Senhorrr, porrr favorrr!!!

O Jacó encheu tanto o saco que o piloto falou:

- Tá bom, eu faço o vôo, pro senhor me deixar em paz, mas o senhor vai ficar calado. Se falar paga.

- Estarrr cerrrto.

O avião decolou, e o piloto começou fazer acrobacias, folha-seca, razante, vôo de dorso, etc.

Voltaram ao aeroclube. Quando Jacó ia saltando, falou para o piloto:

- Quase que Jacó falarrr.

- Quando?

- Quando o menino caiu!

Gaúcho - nos nossos chistes tido como homossexual, bicha, sempre camuflado de machão

O gauchão sempre foi cuidadoso com a educação dos filhos. Porém, começou a notar algo estranho no comportamento de um deles. O menino vinha desenvolvendo uns trejeitos meio delicados, não gostava mais de chimarrão, ficava o tempo todo lendo romances ou escrevendo poesias. Muito apreensivo, o gauchão começou a desconfiar da macheza do rapazola resolveu levá-lo a um psiquiatra. O terapeuta, também gaúcho, fez apenas três perguntas:

- Qual a fruta que você mais gosta, tchê?

- Mamão - respondeu o adolescente.

- Qual o seu número predileto?

- Onze.

- Só mais uma perguntinha, tchê! O que você tem mais vontade de ser na vida?

- Juiz de direito - disse o rapazola com ar entediado.

Gauchão ficou feliz, porque nenhuma resposta trazia desmunhecação; eram todas comuns e até podiam ser interpretadas como indício de masculinidade. Três dias depois, o gauchão compareceu ao consultório para confirmar o diagnóstico e pôr fim às suas preocupações. Mas o médico disse:

- Infelizmente, tchê, as tendências homossexuais de seu filho são mais do que evidentes.

- Barbaridade, tchê! - exclamou o pai desolado - Não é possível, doutor.

E o doutor:

- Tu vês! A fruta que ele mais gosta é o mamão: dá o ano inteiro; seu número predileto é o onze: um atrás do outro; e juiz de direito é doido por varas, tchê!

Com esses chistes, esperamos ter mostrado que o humor é um campo multi e interdisciplinar, podendo ser explorado por linguistas, sociólogos, antropólogos, psicólogos, psicanalistas e outros. Ele tematiza áreas proibidas, tem eficácia crítica. Sua função é estabelecer o controle social - não deixa o indivíduo transgredir as normas, dado que todos temos medo do ridículo. A sociedade impõe que cada um de seus membros fique atento aos seus atos, pois um desvio qualquer será alvo de castigo, humilhação, riso. E nada mais humilhante que ser objeto do riso. Assim, como técnica de controle, o humor mantém as normas e os valores da sociedade de forma tão eficaz quanto os demais dispositivos por meio dos quais a sociedade atua.

Resumen

Una lectura, desde el punto de vista de la teoría de la performance , de talleres de educación alternativa para adultos ofrecidos en Cuba entre abril de 1995 y noviembre de 1996. La autora -investigadora del teatro- examina la inserción particularmente intensa de esta experiencia en la realidad cubana actual y propone su interpretación como la puesta en escena de una situación cultural y social en extremo compleja y cargada de conflictividad .

Durante estas originales convivencias los participantes tienden a emplear dramatizaciones -realistas o alegóricas- como medio expresivo privilegiado que les permite aludir a zonas especialmente problemáticas de su experiencia social; asimismo, producen ambientes ritualizados y un consecuente efecto de encantamiento que dota de presencia real a los impulsos utópicos que movilizan al colectivo. Se trata, en ambos casos, de la realización, por parte del grupo y su actuación colectiva, de principios performativos que permiten al taller trascender el nivel estrictamente pedagógico y proyectarse en una dimensión cultural.

Al propiciar esta in-corporación de la experiencia social; al estimular la disposición básica a representar que permite al grupo humano de procesar sus crisis, los talleres, en opinión de la autora, funcionan como un acto de resistencia, en el contexto de circunstancias que han impuesto -dramáticamente- límites al proyecto social cubano.


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