Especial NAyA 2001 (version en linea del cdrom)

Infidelidade. Relações de gênero e controle social. Algumas reflexões.

Mauro Cherobim [1]

RESUMO

O tema fidelidade é uma constante na literatura voltada aos de  relações de gênero, em relatos etnológicos de grupos tribais, em estudos de comunidades, etc. Falarei aqui da fidelidade e da infidelidade conjugais. O controle para a manutenção da fidelidade e as sanções para a prática da infidelidade estão muito além do casal. Mecanismos de "desvios permissíveis" para evitar as sanções mais severas são colocados à disposição de quem se torna "vítima" ou de quem se torna "praticante" de atos de infidelidade.

        

A formação de um casal, em qualquer sociedade, obedece a regras não muito perceptíveis [2] às pessoas mas claras. Há nas sociedades ocidentais modernas, por exemplo, um padrão de aproximação etária, de etnia, de cor, de situação sócio-econômica, de nível de escolaridade, e outras e nas sociedades tribais existem metades, fratrias, clãs, etc.; estes padrões aproximam ou distanciam as pessoas ao casamento. A concepção de livre arbítrio das sociedades ocidentais, de que as pessoas casam com quem querem e com quem amam, é mais uma utopia do que uma realidade. Este jogo de aproximação e de distanciamento, adrede formulado pelas sociedades, é pleno de normas criadoras de compromissos. A fidelidade é a preservação destes compromissos e a infidelidade, a quebra.

         Estes valores (portanto ideais) passam por incontáveis artifícios, os "desvios permissíveis", de se fazer ignorar, de aplicar sanção em delatores de desvios e outros [3] . Da mesma forma que a infidelidade gera rupturas, as sanções rigorosas também as podem gerar [4] . Estes artifícios são espécies de mecanismos de ajustes, como amortecedores, para a manutenção da estabilidade social. Os terapeutas, neste contexto, transformam-se nos "médicos-feiticeiros" que endereçam seus esforços naqueles casos pessoais em que estes ajustes não foram possíveis.

         Ser fiel ou ser infiel é ser em relação à alguma coisa. Dizer-se fiel ou infiel ao casamento é genérico como também será se nos referirmos às normas que o regem. Melhor seria pensarmos no que representa o casamento no contexto das sociedades. Podemos, de antemão, afirmar que é um mecanismo regulador da procriação. É, além disto, um processo. A cerimônia que chamamos de casamento é o rito de passagem que marca a sua consumação e que dá satisfação pública - ou reconhecimento social: os nubentes passam a ser reconhecidos como procriadores responsáveis pela sobrevivência de seu grupo.

         Segundo Ruth Benedict (s.d.:35), há dois aspectos culturais, independentes um do outro, mas que se associaram para ditar as transformações de significado do casamento. E que chegaram até os nossos dias. O primeiro foi o de ter sido o meio mediante o qual os bens eram transmitidos de geração a geração. A fortuna, diz a Autora. Estes "bens", ou "heranças", vão além dos bens materiais, pois também se transferem poder, preservação de estruturas de mando. Identidade grupal. Estes aspectos, completa R. Benedict, muitas vezes encobrem as questões de arranjo sexual e de procriação. O casamento é, em segundo lugar, uma forma de se preservar a identidade do grupo quando em processo de contato [5] .

         O processo de casamento começa, em alguns grupos, antes do nascimentos de um ou dos dois nubentes, como promessas (de casamento) de alianças entre grupos [6] , dentro do modelo - ou dos interesses, como diz Margareth Mead - de organização social do grupo. Naquelas sociedades em que a necessidade de procriação é um imperativo, não se entende o celibato e muito menos as "produções independentes". E muito menos, ainda, os casamentos (ou uniões) homossexuais. Alguém que tenha pai ou mãe desconhecidos não tem como se ajustar no sistema de parentesco de seu grupo. Então não será gente [7] . Considerando-se a procriação como finalidade do casamento, um casamento homossexual não é casamento. É brincadeira. Literalmente falando [8] .

         O casamento tem a sua dramacidade; o moço e a moça que se casam rompem laços e ambientes a que estavam vinculados (de idade, de sexo, de parentesco e outros) e são agregados a novos ambientes (família, classe social, status [9] e outros). Deixam de enfrentar alguns tabus e passarão a enfrentar outros (v. Van Gennep, 1978: 104-25).

         O desenrolar do processo de casamento nas sociedades ocidentais foi chamado por Goode (veremos a seguir) de "mercado de matrimônio" para indicar a circulação de valores, de rituais, etc.. Este "mercado" é um mecanismo socializatório que vai preparando as pessoas aos compromissos que cada sociedade outorga aos casados: definições, compromissos, conceito de exclusividade na parceria, etc.

         O casamento, no mundo cristão, constitui-se num nexo entre os mundos profano e sagrado mediado pelas sociedades religiosas (Igrejas). Todos os ritos de passagem (nascimento, batismo, casamento, morte e tantos outros) têm a função social de reconhecimento da nova situação e do pacto do profano para com o sagrado. É um ato de agregação social e religiosa, um rito de não-vontade pelas circunstâncias socioculturais e proibições que congrega, e não de vontade, uma maneira de querer (cf. Van Gennep, 1978:29). A precedência da não-vontade, portanto de tabu, nas palavras de Van Gennep, torna o casamento um "não fazer"; um conjunto de proibições (Id.) coerente com as crenças e com as práticas relativas às coisas sagradas: de separação e de proibição (v. Durkheim, 1996:32).

A infidelidade e o adultério situam-se num mesmo continuum; cujos conceitos, no mundo cristão, podemos buscá-los numa passagem bíblica [10] , nos quais um simples olhar desejoso (grifo meu) transforma-se em adultério. Como o ideal religioso está voltado para a eternidade, o amor ideal teria o mesmo sentido: eterno. A contradição do ideal com o cotidiano foi muito bem colocado no poema de Vinícius de Moraes de que o amor é eterno enquanto dura, lembrado por Rosenzvaig (1999:15).

A participação da mulher no mercado de trabalho levou-a à uma integração, cada vez maior, ao mundo público, antes o "mundo masculino". Os movimentos feministas propiciaram a elaboração de uma nova valorização do corpo e dos prazeres femininos e o relacionamento social mais intenso entre homens e mulheres, proporcionando mudanças nas relações de gênero. Valores, dentre os quais a fidelidade e a infidelidade, foram colocados em xeque e passaram a se constituir num jogo político nas atuais relações entre homens e mulheres e em particular no relacionamento entre marido e mulher. A sensualidade, exposta por todos os meios de comunicação e ao alcance de todos, "coloca-nos frente ao estímulo diário da sedução e da conquista amorosa, como parte do exercício de uma masculinidade e de uma feminilidade que obtém a sua satisfação frente ao olhar de desejo do outro" (tradução livre),  completa, poeticamente, Rosenzvaig (p.15).

Sanchez & Rodríguez (1999:45-6), preocupadas com o mesmo problema, colocam as seguintes indagações: "As mulheres são mais fiéis que os homens?"; "nos casais onde a mulher é infiel, o homem não toma conhecimento e por isto não sofre com a conduta de sua mulher?"; "As mulheres são mais conservadoras/tolerantes em relação ao casal e por isto não se permitem condutas de infidelidade?"; "Os mal-estares do homem para com a infidelidade de sua esposa é penoso pois isto causa ranhuras em sua masculinidade?" e "A infidelidade está relacionada com uma crise no relacionamento do casal ou com dificuldades nas relações sexuais?" (tradução livre). Qual será destas indagações sociedade urbano-industrial? Ou em pequenas cidades? Verifiquei em trabalho anterior (Cherobim,1966) que o consumo de revistas chamadas pornográficas e as opções sexuais do tipo "sexo a três" (ménage à troi) e "troca-de-casais" (swing) são relativamente maiores do que nas grandes cidades. E lá se fala, sempre "à boca pequena", dos casos de homens e de mulheres que "pulam a cerca" (praticam a infidelidade). Dos homens e das mulheres, acima de qualquer suspeita, que têm relacionamentos "suspeitos" [11] . A idéia de "amor eterno" e outros valores circulantes no "mercado de matrimônio" (Goode, 1959:39ss) têm mudado com intensidade de significado de acordo com interesses de consumo da sociedade urbano-industrial, principalmente em relação aqueles que alteram os conceitos estéticos e que tornam as  mulheres mais exigentes com o seu corpo e com a sua sexualidade. Estas exigências são transferidas para os homens, "despreparados" para satisfazê-las. Quem são, então, as pessoas, neste contexto, que procuram assistência terapêutica?

As indagações das Autoras citadas acima serviram como roteiro para repassar, de forma rápida, alguns trabalhos que se preocuparam as relações entre homens e mulheres. Procurarei, assim, alguns caminhos para a compreensão dos valores que guiam as relações entre marido e mulher, causas do tema em discussão neste artigo.

As sociedades tribais mostram, de forma transparente, o jogo político que leva ao que chamamos de fidelidade e de infidelidade. Comecemos com os Dobu. É um povo neurótico quando visto segundo os padrões ocidentais, diz Ruth Benedict. A neurose seria a normalidade. Dentre as tantas tensões que caracteriza o grupo, uma "...tensão de uma espécie ainda mais íntima é a que se refere à infidelidade. Entre marido e mulher a fidelidade não é coisa com que se conte, e nenhum Dobuano admitirá que homem e mulher se reunam, mesmo durante o mais breve intervalo de tempo, que não seja para fins sexuais. (...)  ...o adultério dentro do grupo é um passatempo muito apreciado. (Quando há suspeita de adultério, o marido traído) ...quebra a loiça de cozinha da mulher; se é a mulher, maltrata o cão do marido. Os dois zangam-se ruidosamente, e é difícil  fazê-lo, nas casas próximas, umas das outras e com  tectos de colmo, sem que os outros ouçam. O marido sai furioso da aldeia, e, como último recurso de raiva impotente, tenta suicidar-se por um dos vários métodos tradicionais, nenhum dos quais é infalível" (Benedict, s.d.:95). Entre os trobriandeses, "o ciúme (justificado ou não) e o adultério são os dois fatores dentro da vida tribal que mais põem à prova o vínculo do matrimônio. A lei, os costume e a opinião pública prescrevem que a posse sexual tem de ter um caráter exclusivo. (...) Não sei se preciso dizer que o preceito costuma, apesar de tudo, ser desrespeitado, ignorado ou contornado com a mesma facilidade e a mesma freqüência que entre nós" (Malinowski, 1982:136). Conta que certa manhã foi atraído por gritos e discussões em face de uma suspeita de adultério. "O marido, que não era indivíduo especialmente sangüinário, vingou-se de sua mulher espatifando-lhe as vasilhas d'água. (As pessoas que assistiam tomavam partido de um ou de outro) Naquela mesma noite vi o marido ultrajado sentar-se ao lado de sua mulher na mais perfeita harmonia" (p.136-7). Quando ocorre o adultério por parte da mulher, continua Malinowski, o homem "tem o direito de matá-la, mas o castigo, em geral, não vai além de uma surra; às vezes, limita-se a uma admoestação, ou simplesmente o marido fecha a cara para ela. Se já tiver outros motivos de queixa contra sua esposa - mau gênio, preguiça, etc. -, arranjará facilmente consolo fora de casa (os laços matrimoniais não constituem para ele um obstáculo sério a essas experiências), sem precisar perder o benefício do tributo matrimonial que recebe dos parentes de sua mulher" (Id. p.161-2). Malinowski anotou diversos casos de mulheres que abandonaram seus maridos por sofrerem maus-tratos, ou porque eles foram infiéis ou  ainda porque elas se apaixonaram por outros homens. As mulheres, continua o Autor, servem-se mais da dissolução do casamento do que os homens; é raro um homem repudiar a sua mulher (p.161).

Maybury-Lewys (1984:139-40) ao analisar a questão do casamento entre os Xavantes, entende-o como um processo que determina, em determinados momentos, condições de maior facilidade ou de maior dificuldade para a sua dissolução. Mesmo depois do casamento consumado há várias possibilidades de dissolução. Os Xavantes consideram-na consumada quando um dos cônjuges abandona a aldeia não acompanhado pelo outro. Outra possibilidade é o de o marido deixar de coabitar com a sua mulher e passar a morar um uma outra. A mulher abandonada não poderá tomar um outro homem como esposo ou manter relações sexuais com outros homens pois assim se tornaria alvo da zanga do (ex-) marido. Mesmo coabitando com uma outra mulher, os filhos sentem-se com os mesmos direitos nas duas casas (Id. p.141) inferindo-se que os compromissos contratuais iniciais não foram completamente rompidos. Maybury-Lewys relaciona motivos políticos e motivos grupais internos as razões para a dissolução por abandono da aldeia. A infidelidade não está entre os motivos que levaram o marido deixar de coabitar com a sua mulher. Pior do que um eventual adultério nos grupos tribais é ficar sem o par. Esta perda poderá se dar por maus tratos, como Baldus nos conta, ou por alguma transgressão da ordem sócio-sexual descrita por Clastres (1978:75-6) entre os Guayaki. Ou do caso de Tiago Marques Aipobureu, o bororo marginal que, educado pelos brancos, ao tentar se reintegrar ao grupo não conseguiu voltar a ser um bororo. Tornou-se desacreditado no grupo, até por sua mulher que o trocou por outro homem. Como professor "branco" tinha prestígio e provia sua casa; como bororo, não (Fernandes, 1975:101-2).

As mulheres Xavantes parecem exercer uma autoridade sobre seus maridos, demonstradas, muitas vezes por ciúmes, uma expectativa de possíveis situações de infidelidade [12] . E quando houver algo que se possa configurar como infidelidade, as explosões de ciúme nem sempre podem ser expressas abertamente, mas disfarçadas e em situações diversas daqueles que as causou. Laraia (1976) nos dá um exemplo. Uma epidemia de gripe  causou uma expressiva depopulação entre os índios Suruí, atingindo principalmente as mulheres. As genealogias coletadas por Laraia indicavam "que era freqüente o fato de uma mulher ter sido sucessivamente esposa de dois ou três homens, sem ter se tornado viúva" (p.193). O censo por ele realizado indicava  a existência de "14 homens adultos para 7 mulheres, duas das quais já na menopausa. (Havia) 10 meninos e 9 meninas, sendo que dos primeiros um está cometido de tuberculoso óssea e dificilmente se tornará adulto. Desta forma está igualado o numero de crianças de ambos os sexos. Mas como cinco das meninas já estão comprometidas com homens adultos, o desequilíbrio demográfico tende a persistir" (p.193-4). A sociedade indígena criou o que Laraia chamou de "arranjos poliândricos": uma associação ocasional de dois homens com uma mulher, de forma a satisfazer os homens solteiros e os viúvos. Todas as mulheres casadas tinham, na época da pesquisa, um amutehéa, com o qual mantinha relações sexuais na ausência do marido ou até mesmo com ele presente na aldeia. Todos os membros do grupo sabiam (inclusive o marido) mas todos fingiam ignorar, na tentativa de conciliar esta situação ocasional e especial com a tradição patrilinear do grupo. Cada homem podia nominar os amutehéa de todas as mulheres mas se negava a nominar o da sua. As duas únicas viúvas do grupo tinham seus amutehéa; os homens solteiros negavam-se a toma-las como esposa pois isto implicaria em compromissos de cooperação econômica. O arranjo, escreveu Laraia, permite "que um homem gere novos elementos para o clã do esposo de sua amutehéa, que nem sempre é o seu clã" (p.195). Este mecanismo foi aceito como uma contingência do problema depopulacional embora ferisse as regras de descendência, de concepção de paternidade e principalmente de desejo de exclusividade que o homem espera de esposa (p.196). O arranjo produziu resultados. As 40 pessoas contadas por Laraia em 1960 passaram a 64 em 1975 e 75 no ano seguinte (Queiroz, 1980:93). Renato (da Silva Queiroz) conta que assistiu o nascimento de uma criança após um parto complicado em que todos temiam pelas vidas da mãe e da criança. Após o nascimento passou-se a ouvir tiros, gritos e conversas por toda a aldeia. "O pai da criança dizia: 'É macho, é macho! É mais um, é mais um!' Mas como se era o seu primeiro filho?! Aí pensei comigo mesmo: É mais um Suruí, é mais um Suruí!" (p.96).

Baldus (1970) comenta casos de adultério entre os Tapirapé e entre os Karaja [13] . Os homens Tapirapé costumam bater em suas mulheres mas isto nem sempre causa maiores problemas, pois logo após os dois são vistos deitados, juntos, em suas redes. Mas algumas mulheres não gostam de apanhar. Conta, então, o caso da separação de um índio, homem sério e pouco atraente, casado com uma moça de 24 anos, alegre, relaxada e amável. Certo dia, ao voltar do trabalho, o homem não encontrou a comida pronta, que a moça, por preguiça, não havia preparado. O marido golpeou-a com um cacete. Logo após ele se ausentou da aldeia ela foi se deitar com outro homem, um bonachão atlético que acabara de enviuvar. Este adultério provocou outra surra na mulher, levando-a transferir-se, definitivamente, para a rede do outro homem. Muito zangado com o seu rival mas impotente para tomar uma atitude de confronto,  "o marido abandonado foi para a takana [casa-dos-homens - Mch] e compôs uma sátira sobre o par adúltero. Cantou-a em voz alta, sentado num tronco de árvore. Uns dias mais tarde, reconciliou-se com Kamairá [o rival - MCh]. A mulher ficou com este" (p.299).

Os relatos registrados na literatura etnológica informam que a "vítima" do adultério (o corneado) tem o "direito" de matar o(a) adúltero(a), mas a expectativa é a de o homem vingar a mulher adúltera. Mas pouco informa da execução dos adúlteros. Do homem ou da mulher. A não ser no caso dos Tapirapé, as nem as surras não são freqüentes. Elas costumam, por outro lado ser a causa de separações por maus trato e não de eventuais atos de infidelidade das mulheres (as eternas vítimas de espancamentos). Baldus comenta a existência de uma misogamia entre os Karajá, pelo medo que os homens têm do pesado trabalho masculino que o casamento lhes impõem, "mas o medo que eles têm da mandona me parece fator não menos decisivo" (p.300) desta misogamia. A mulher Karajá distingue-se da mulher Tapirapé [14] (que apanha do marido e depois vai para a rede com ele) pelo mandonismo. Os Karajá, ao se casarem, se tornam objeto de exploração de suas mulheres. A iniciativa para o amor e também para o adultério parte, com mais freqüência da mulher. Apesar disto, se um homem Karajá bater na mulher será um caso excepcional (Id.).

Os discursos contra a infidelidade e a sua tolerância através dos mecanismos de "fazer ignorar" também é comum na sociedade brasileira, como mostram vários trabalhos. Tradicionalmente espera-se que a mulher seja mais tolerante que os seus maridos  para com a infidelidade do outro. As matérias sobre assassinatos por adultério na mídia diminuíram em número nos últimos tempos mas nos que aparecem aumentou o caso em que as mulheres aparecem como praticantes ou como mandantes da morte de seus maridos, algumas vezes de seus amantes. E são casos retumbantes em face de seus personagens serem pessoas de classes sócio-econômicas altas. É provável que estes casos de repercussão encubram casos de tolerância da infidelidade por parte de homens e de mulheres. Estes casos, apesar de serem de menor expressão, são os que estão mais sujeitos ao controle e às sanções vicinais. Muitas vezes o espalhafato faz perdoar as "vítimas" e os "algozes" do adultério. A expectativa, todavia, ainda é a do marido vingar o adultério da mulher e a sua impunidade [15] .

A fidelidade e a infidelidade aparecem de diferentes formas no imaginário das pessoas dependendo das circunstâncias em que elas ocorrem. Emílio Willems (1954) ao procurar entender a estrutura da família brasileira, escreveu que a família "das classes superior e média pode ser interpretada como uma estrutura dialética, baseada em papéis assimétricos atribuídos ao homem e à mulher" (p.329). Os papéis masculinos e femininos têm, cada um, como centro, um núcleo de valores que Willems chamou, respectivamente, de complexo de virilidade e de complexo de virgindade. Estes núcleos determinam normas antitéticas que regem as relações de gênero, permitindo aos homens tudo o que é negado às mulheres. Estas normas se resumem numa "irresponsabilidade sexual" masculina e uma excessiva "responsabilidade sexual" por parte das mulheres. Dentro destes padrões, ainda, a mulher deveria ser relativamente concedente com eventual infidelidade de seus maridos. Os homens, por outro lado, são socializados acreditando em sua irresistível incapacidade de conter os impulsos sexuais. Os papéis masculinos em si mesmo também são antitéticos, permitindo-se aos homens serem sexualmente irresponsáveis fora de casa e guardiões da mais pura moralidade dentro de casa. A potência sexual é a base sobre a qual está assentado o seu auto-respeito e a sua varonilidade (Id. p.329-333).

A distância entre os padrões ideais e o cotidiano é, algumas vezes causa de conflitos e em outras vezes a razão para tornar "despercebidos" (fazer ignorar) desvios regulados por mores [16] . Pierson (1954 e 1966) transcreve falas que definem, na comunidade por ele estudada, as questões de adultério e de infidelidade. "De acordo com os mores locais, os principais deveres da mãe são: mostrar afeição por seus filhos, cuidar deles o melhor possível e ensinar-lhes a conduta prescrita... ...'a mãe é que sofre pro amor de seu fio'... (do pai) é mostra-lhes afeição, alimentá-los, dar-lhes abrigo e outra proteção e ensiná-los a se conduzirem de acordo com os mores.  ...'memo que o fio num preste, o pai num deve i contra ele'... " (Id., 1954:374-5; 1966:267-8). As condutas prescritas naqueles dois complexos enunciados por Willems determinam um distanciamento entre homens e mulheres, aqueles desempenhando seus papéis no mundo público e estas no mundo do privado. "A muié tem que obedecê o marido. Se ele manda fazê uma cousa, ela deve fazê"; "a mulher não deve brigar com o marido e nem mesmo discutir seriamente com ele. Deve aceitar seu papel sem queixas"; "o homem tem o dever de proteger e sustentar sua esposa"; "o marido não deve bater nunca em sua esposa"; "a primeira obrigação do marido é providenciar alimento, abrigo e pelo menos o mínimo de outros confortos físicos para a esposa, bem como protegê-la de qualquer mal"...  ...(Segundo um dos líderes da Vila): "o home quano casa tem uma grande carga. O boi quano tá sozinho se lambe tudo, mais quano tá em baixo da canga, num pode se lambê". (Um outro líder da Vila completa): "as muié diz que os home tem vida boa, mais os home acha que eles são é burro de carga" (Id., 1954:378-9; 1966:273-4) [17] . Esta divisão de papéis, em privado e em público, dá condições ao homem relacionar-se com outras mulheres; se estas aventuras forem suficientemente discretas haverá a tendência de serem toleradas. Se o  marido cumprir com as obrigações em casa (satisfação sexual, manutenção, etc.), "o mais que ele fizé é da conta dele. A gente num deve se importá muito". Tem-se a impressão de que se homem "cumprir com as suas obrigações" a mulher relevará seus "casos", no entanto, há um outro relato que conta o caso do tio de uma entrevistada que tinha uma segunda mulher, cujo marido (o corneado) sabia do relacionamento extraconjugal mas não ligava. O amante (tio da entrevistada) dava presentes (óculos, sapatos, tecidos) e talvez isto fizesse com que o marido corneado "ignorasse" este relacionamento de sua esposa. A tia da entrevistada, esposa do amante, brigava muito e o fazia dormir, muitas vezes, no chão duro o paiol. O conflito circunscreveu-se no âmbito da casa (mundo privado) por não haver o abandono da família (o homem cumpria com suas obrigações) e por isto a comunidade não o "sancionava negativamente": "um home casado que larga a muié pra andá atrais de muié atoa é o memo que um porco que larga o mio pra í comê porcaria". Se fosse ao contrário, marido e mulher estariam sujeitos às sanções: "se uma muié anda atrais de outro home, pode ter certeza de que o marido num presta" (Id., 1954:31-2; 1966:275-6). Os homens cornudos estão sujeitos à dupla sanção: por ser cornudo e por se tornar cornudos. Tornou-se cornudo porque não cumpriu com suas obrigações [18] .

Pierson transcreve notícias de casos de mortes por infidelidade ou por adultério passadas por seus entrevistados. Possivelmente fossem reais mas talvez não na freqüência que se poderia imaginar. Parecem ser discursos para controle social, pois relatam severas sanções sofridas por mulheres que tiveram casos extraconjugais e também por homens que não se importam com a infidelidade de suas esposas, os "cornos mansos".

A submissão da mulher ao homem parece ser mais aparente, ou discursiva, do que real: "o home tamem deve obedecê a muié. Eles deve combiná em tudo" afirmou um dos líderes da Vila (Id., 1954:380; 1966:274). Wagley (1977:167-8) detectou este poder não declarado da mulher. Segundo ele é grande distância entre o ideal e a realidade, de que o homem e a figura dominadora e central na família e a mulher a figura tímida e passiva. Este ideal dificilmente acontece na realidade. A atividade pública do homem, seja nos negócios, nas compras, no gasto do dinheiro, são acompanhados pela mulher, em casa, que sabe o preço de tudo e que dirige as finanças da casa. E elas, também, constituem-se em eficientes parceiras de seus maridos na manutenção da família. O discurso idealizado e a  realidade leva-nos perceber "alguns aspectos interessantes das relações antitéticas de homens e mulheres que costumam pendulear entre um androcentrismo e um ginecocentrismo . A crítica ao androcentrismo é freqüente e voltada ao fato de o homem, enquanto grupo, ter em suas mãos os poderes político e econômico de forma explícita. Esta atitude faz passar despercebido o poder implícito exercido pelas mulheres, sustentado pelo mesmo modelo organizacional que explicita o poder masculino" (Cherobim, 1996:27). Este poder é reconhecido por advogados, juizes e outros profissionais que trabalham nas varas de família encarregados com processos de dissolução de família. A grande dificuldade, na maior parte das vezes, afirmam, é chegar a um "acordo razoável"; construiu-se no imaginário a idéia de "vitimização feminina" reforçada pela tendência ginecocêntrica da legislação de família e, por influência da legislação, dos julgadores nesta área do direito. Os bens parecem ser o meio para compensar ou evitar a ruptura [19] de um modelo organizacional e a incerteza de reconstrução de um outro.

A ruptura e a incerteza talvez esteja relacionada com a visão da mulher com relação ao casamento. Uma publicação recente e de título irônico (Enquanto as mulheres mandam, os homens fazem o que têm vontade) discute esta visão. A mulher, segundo os autores, esforça-se em moldar o seu marido  num modelo de casamento, um modelo feminino; "não se trata de uma escolha apenas pessoal (...) mas de colocar-se de tal maneira que consiga casar. O que significa, a meu ver, casar com o casamento. O primeiro parceiro da mulher, o primeiro membro do casal, de fato, é o casamento. A mulher casa com o casamento." (Campolim & Lima, 1998:18). Desta perspectiva a infidelidade masculina difere da feminina. O marido torna-se infiel primeiro a um modelo de casamento e em segundo lugar trai a mulher. Uma infidelidade que se restringe ao mundo privado. O marido que abandona a família, por infidelidade ou outra razão qualquer, sai do mundo privado; enquanto ele procura se consolar num bar (mundo público) ela é consolada pelas amigas em casa (mundo privado).

A situação era menos complicada até pouco tempo, quando homens e mulheres permaneciam confinados em seus mundos público e privado, respectivamente. A mulher, ao concorrer com o homem no mundo público com desenvoltura (e sem abandonar o mundo privado onde foi socializada) criou novas situações, como as erotizantes no mundo público sem as limitações do mundo privado, trouxe novas perspectivas ao conceito de fidelidade nas relações de gênero. Situações anteriormente imersas nas profundezas do mundo feminino começam a emergir ora pelos estudos analisando novas situações das relações entre homens e mulheres, ora porque a mulher começa a trazer para o mundo público valores restritos do mundo privado. Esta nova situação se opõe aos ideais mais amplos da sociedade como se estivesse num processo desorganizatório quando, na realidade, são novas formas organizacionais com comportamentos claramente padronizados e previsíveis [20] .

Os fenômenos sociais não devem ser considerados novos ou antigos mas processo e assim em contínua mudança. O que é novo, se assim pudermos falar, é a percepção destes fenômenos. E para isto depende-se, naturalmente, de procedimentos metodológicos. As sociedades ocidentais são marcadamente androcêntricas e os pesquisadores foram, em grande parte, homens. Sem compararmos, por exemplo, os trabalhos de Malinowski com os de Margareth Mead, que estudaram grupos de áreas próximas e numa mesma época, sentimos de imediato diferenças na percepção de fenômenos sociais e culturais. Os universos femininos dos grupos tribais e das sociedades complexas não foram suficientemente explorados [21] . Pesquisas mais recentes, desenvolvidas por mulheres [22] , têm trazido informações que nos leva a imaginar que o conceito de machismo está além dos homens (socii) e das mulheres [23] . E atinge aos dois. Cláudia Fonseca (1992), em pesquisa realizada num bairro popular de Porto Alegre, coletou dados a respeito da infidelidade a partir da ótica feminina. O adultério, ou a sua ameaça, faz parte de um jogo político para atingir o homem que não cumpre ou não consegue cumprir com suas obrigações de manutenção da família. E neste jogo e na "opinião pública, a mulher raramente sai perdendo. Quando o homem não cumpre seu dever, a mulher usa os filhos para sublinhar sua infâmia. Dirá que ele gastou todo o dinheiro com outra(s) mulher(s), deixando as crianças passando fome. Ela fará longos relatos sobre seu próprio sofrimento, sua imagem enobrecida como mulher batalhadora que, apesar de tudo, conseguiu manter a família unida e criar seus filhos. Não nenhuma contrapartida masculina para este tipo de queixa pública. O homem, cuja mulher rompe o pacto tem que sofrer em silêncio, pois qualquer reação dele seria assumir publicamente o status humilhante de guampudo [24] " (Id. p.318).

Trouxemos as discussões sobre infidelidade e adultério, até aqui, sob a ótica das relações de gênero, das quais fazem parte. Os conceitos, além disto, fazem parte de um amplo sistema de controle para manter a sociedade estruturalmente estável. Poderemos ir mais além dizendo que as relações de gênero estão contidas no sistema de parentesco que "situam" os indivíduos em sociedade e se constitui em base para a construção das identidades social e étnica (ou nacional, sentida quando em contato com membros de outras sociedades). É por esta razão que ao falarmos em gênero nos encaminharemos no sentido do modelo de organização social onde estas relações ocorrem. Um casal, marido e mulher, a partir da consumação de uma união, cada qual traz consigo uma visão de mundo construída tanto no sentido das identidades de homem e de mulher, como de papéis socialmente idealizados. Os conflitos ocorrem quando estas idealizações são transformadas em cotidiano envolvendo bens, - ideais ou materiais - matérias-primas para dar continuidade à uma aliança política de grupos parentais. Esta questão é mais claro nos grupos tribais e nos grupos rurais. Isto pode ser traduzido, como bem colocaram Campolim & Lima, um casamento com o casamento do qual o homem e a mulher começam a fazer parte. A questão a analisar é: ser infiel é uma infidelidade ao par ou ao casamento [25] ? O vínculo custa a ser rompido na maioria das sociedades em face dos comprometimentos pessoais (empatia - amor? - do casal) ou comprometimentos sociais, culturais e econômicos? E também a quebra dos vínculos de aliança que excede ao casal [26] . Como os conflitos - uma infidelidade virtual ou real - são situações de perigo em potencial, e com tantas coisas em jogo, torna-se óbvia a tendência de se "fazer que não vê". Ou sofrer em silêncio, como mostra Cláudia Fonseca.

A contrapartida é a denúncia. Os denunciantes costumam ser punidos com igual severidade que são punidos os denunciados porque a denúncia rompe o equilíbrio; os comentários a respeito de infidelidade são feitos de maneira indireta e sempre na forma de "dar a entender". O comentário direto só é feito quando sabe-se que aquilo não se tornará numa denúncia pública. Numa comunidade da Amazônia havia uma reunião de amigos no amanhecer, sentados nas escadarias do porto fluvial; chamavam este encontro ironicamente de DIVA - Divisão de Investigação da Vida Alheia [27] . Era um grupo de fofocas. De fofocas e de controle social, mas não de denúncia pública; os membros da comunidade sabiam que podiam "cair na boca dos caras da DIVA". O mexerico é a mais eficiente forma de controle social. "Espera-se que todos os membros da comunidade palmilhem (...) as mesmas trilhas costumeiras de agir que formam a homogeneidade da sociedade"(Araújo, 1959:337). A cidade cresceu com a migração e a DIVA perdeu as condições de se reunir (v. Cherobim, 1991). O crescimento populacional da comunidade pulverizou os desvios no anonimato.

Os grupos de fofoca adquire características diversas nas grandes cidades sem perder suas finalidades básicas: o controle social. Torna-se permissível, algumas vezes, aceitar, ou assumir, alguns "desvios" como válvulas de escape de sanções. Em São Paulo, por exemplo, há um grupo de pessoas, homens e mulheres, que se reúne num Clube dos Cornos. Identificam-se como "cornos assumidos" e salientam a satisfação de seus pares terem outros envolvimentos sexuais fora do casamento. Uma pessoa de uma cidade da região metropolitana de São Paulo enviou um anúncio para uma revista pornô convidando "outros cornos" para fundarem um clube na sua cidade. Algum tempo depois esta mesma pessoa retornou com um outro anúncio afirmando que não recebera resposta e nele fazia críticas aos cornos que não assumiam suas condições (v. Cherobim, 1996:75, Nota 80).

Os praticantes de troca de casais (swing) e de sexo a três (ménage à troi) casados declaram que aderiram a estas modalidades para evitar o rompimento de seus casamentos. Se assim for, a reformulação do conceito de fidelidade antecede o fato que assim poderia ser caracterizado como infiel. O objetivo, sempre, é preservar a aliança.

 Procurei, no decorrer do trabalho lançar algumas idéias, a partir de relatos etnográficos, para discutir a questão da infidelidade. Este fenômeno adquire visibilidade ora nas explosões de conflitos, ora nas clínicas psicoterapêuticas. Quando visto no contexto das sociedades toma a forma de um mecanismo de controle social. A sua existência é importante como uma amostra do "não-deve-ser"; os cornudos, com todas as pressões sobre eles são os "anti-modelos", os exemplos, de como os homens e as mulheres "não-devem-ser". Principalmente os homens. O homem até pode ser infiel, mas não pode, nunca, ser objeto de infidelidade conjugal. A mulher, ao contrário, até pode ser objeto de infidelidade mas não pode, nunca, ser infiel.

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NOTAS

[1] Antropólogo. Professor Adjunto Aposentado da Unesp; Professor do Curso de Pós Graduação em Educação da FFC, Unesp/Marília; Membro e Diretor do CEPCoS; Professor da Universidade Guarulhos.

[2] Não perceptíveis porque foram absorvidas durante o processo de socialização.

[3] Neste aspectos os homens são mais fiéis entre si do que as mulheres. Uma fofoca, uma delação, irá ferir as masculinidade. As fofocas femininas são muito bem relatadas e analisadas por Cláudia Fonseca,, como veremos adiante.

[4] Em alguns grupos tribais o delator estará sujeito a sanções semelhantes às do delatado.

[5] Os Mbüá-Guarani, do litoral paulista, impediam casamentos mistos (fosse com nacionais. com grupos de outras etnias ou mesmo com os Ñandeva-Guarani, outro subgrupo guarani). Alegavam que "enfraquecia o sangue". Durante pesquisa (v. Cherobim, 1986)  realizada entre este grupo, havia um casal formado com uma mulher Mbüá e um homem Ñandeva que viviam fora do aldeamento Mbüá marginalizados de todas as atividades do tribais.

[6] Os candidatos ao casamento, neste caso, não têm ao menos a utopia da liberdade de se casar, que têm os ocidentais.

[7] Nós, antropólogos, quando vamos fazer pesquisas em grupos tribais costumamos "ser adotados" por uma família para que sejamos gente.

[8] Estas formas alternativas de procriação ou de casamento são possíveis em sociedades enquanto o problema da procriação não é crítica, o que não acontece nas sociedades simples. Todavia, a união homossexual está se tornando, aos poucos, uma alternativa de adoção nas sociedades complexas.

[9] Exemplo: a moça, em nossa sociedade, é senhorita até o casamento e senhora no dia seguinte. Isto requer uma ressocialização. Nas Igrejas católicas há a congregação das Filhas de Maria e a congregação do Sagrado Coração, respectivamente para moças solteiras e para mulheres casadas. As primeiras usam um véu branco, símbolo da virgindade, e uma fita azul no pescoço; as segundas usam um véu preto e uma fita vermelha no pescoço. A virgindade esperada separa as duas congregações. A moça, ao casar, troca o véu e a fita da "pureza" e coloca os da não mais virgens. Um ritual semelhante ao do sangue no lençol pós nupcial. Que algumas vezes era de um ferimento proposital.

[10] "Ouviste que foi dito: 'Não meterás adultério'. Eu, porém, digo-vos que todo o que olhar para uma mulher, cobiçando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração" (Mt. 5,27-28). O sentido, apesar de lato, é mais severo para a mulher que para o homem: "Também foi dito: 'Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe libelo de repúdio'. Eu, porém, digo-vos: todo aquele que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, expõe-na ao adultério; e o que desposar a repudiada, comete adultério" (Mt 5,31-32).

[11] O Autor deste artigo, ainda menino, participava da roda de chimarrão com alguns senhores de meia idade a mais. Surpreendia-me todos interromperem a rodada e me levavam embora quando chegava um comerciante da cidade. Fui descobrir a razão muito mais tarde. Segredaram-me que ele "ia na Olga chupar as mulheres". Olga era a dona do prostíbulo e chupar as mulheres era praticar cunilingua. Hoje valorizado como sexo oral. Os homens não queriam compartilhar a bomba com um "chupador".

[12] Dois casais Xavantes ficaram hospedados na casa de um amigo etnólogo. As mulheres ficavam em casa enquanto os maridos iam na Universidade onde eram cercados por moças e rapazes. As mulheres ficavam "mordendo-se" de ciúmes, provando um início de conflito entre maridos e mulheres e a volta antecipada ao aldeamento. As mulheres, por sua vez, pediram que a esposa deste amigo comprasse uma revista pornográficas pois elas pudessem ver - e aprender - como se "chupa" (praticar felação).

[13] Estes dois grupos mantinham intensas relações comerciais. Os Tapirapé às margens do rio do mesmo nome, afluente do Araguaia e os Karajá na Ilha do Bananal, no rio Araguaia.

[14] Segundo Baldus, os Tupinambá também batiam em suas mulheres. Lembra uma Peça do Padre Anchieta, destinada a retratar o pecado, na qual o diabo fala para uma alma recém desprendida do corpo de um índio: "Embora não fosse briguenta, tu espancaste a pau a tua esposa".

[15] Os movimentos de mulheres fizeram com que esta impunidade diminuísse.

[16] Como as zangas "explosivas", entre os Dobu, entre os trobriandeses e entre os Tapirapé, como vimos anteriormente. Os estudos de comunidades mostram que na sociedade brasileira não é muito diferente.

[17] Indícios de uma misogamia como entre os Karajá?

[18] Cláudia Fonseca, como veremos adiante, escreve que o cornudo sempre é o culpado; culpado porque é cornudo; culpado porque se tornou cornudo por não satisfazer sua mulher. A mulher, de seu lado, utiliza-se de um discurso, culturalmente elaborado, que a torna vítima.

[19] Os filhos são utilizados como meio de barganha para que a divisão dos bens seja feita.

[20] Um caso clássico foi o apresentado por Lewis com relação às mulheres chefes de família nas comunidades negras norte-americanas (1976:146). Deve-se lembrar, todavia, que aos atores neste processo de mudança a sensação é, de fato, de desorganização pois embaralha suas visões de mundo.

[21] A descrição de Vainfaz a respeito do lesbianismo frente aos inquisitores do Brasil Colônia é sintomático. O hoje chamado homossexualismo era a sodomia e  assim não se via como uma mulher praticar atos nefandos sem ter  pênis. A sodomia, por outro lado, era próxima aos inquisitores e portando por eles conhecida (1997:276ss)

[22] Se minha observação estiver correta, o fenômeno das famílias chefiadas por mulheres na região metropolitana de São Paulo foi detectada no momento em que uma mulher assumiu a liderança da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEADE. Aos homens passou despercebido, como passa despercebido às mulheres seu poder implícito no mundo privado mas as fere muito a discriminação que sofrem no mundo público. O desenvolvimento de metodologias está relacionado a estes tipos de percepção.

[23] A mulher, em seu papel de socializadora, é uma reprodutora dos padrões de machismo.

[24] Guampa: chifre, corno; guampudo: chifrudo com o significado de "homem cornudo" cuja mulher relacionou-se sexualmente com outro homem.

[25] Esta questão foi levantada de início: ser fiel ou ser infiel com relação à alguma coisa.

[26] A dissolução de casamentos com filhos nas sociedades ocidentais mantêm vínculos porque os indivíduos, nestas sociedades, estão ligados às estruturas de parentesco e parentais somente através das famílias nucleares, sem outras estruturas paralelas.

[27] Alceu Maynar de Araújo (1959) descreve grupos de fofoca numa comunidade alagoana com a mesma sigla. E com as mesmas funções: controle social. Os bares, as farmácias, os salões de barbearia e todos os locais que reúnem grupos de conversas transformam-se em grupos de fofocas. Na comunidade amazônica, por mim estudada havia somente um em razão do horário da reunião, que começava na madrugada escura e ia até próximo das sete horas da manhã, quando começava o expediente da Prefeitura. O Prefeito era um dos participantes (v. Cherobim, 1966).


Este artículo fue publicado originalmente en la Revista Terapia Sexual. Clínica, Pesquisa e Aspectos Psicossociais. São Paulo:v.3, n.1, p,.13-28, 2000. Se reproduce aqui con la autorización de la misma.


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