Especial NAyA 2003 (version en linea del cdrom)

Discutir a proposta de salvaguarda da imagem urbana a partir de uma perspectiva interdisciplinar e multidimensional – tópicos de reflexão

Marluci Menezes[1]

Martha Lins Tavares[2]

Resumo

Tomando como ponto de partida desta reflexão a importância de abordar a cidade histórica a partir de uma perspectiva de «conservação urbana integrada» e, considerando que um dos aspectos fundamentais da salvaguarda do património urbano refere-se à conservação da sua «imagem», no âmbito de uma investigação que se pretende mais profunda e alargada, duas especialistas de áreas distintas – antropologia e restauro – propõem equacionar neste artigo algumas das particularidades, potencialidades e dificuldades que se colocam ao nível de uma abordagem interdisciplinar das questões relacionadas com a «conservação da imagem urbana».

ABSTRACT

Taking as point of start of this reflection the importance to approach the historical city from a perspective of  “integrated urban conservation” and considering that one of the important aspects of safeguard of the urban heritage refers to the conservation of its “image”, in the scope of an inquiry that intends to be deeper and widened, two specialists of distinct areas – anthropology and restore – considered to equate in this article some of the particularitities, potentialities and difficulties that take place aboarding the interdisciplinarity of the questions related with the “conservation of the urban image”.

Introdução

Ao se verificar a importância de uma abordagem processual, dinâmica e dialéctica ao nível reflexão e das propostas de intervenção na cidade consolidada e histórica, paralelamente se constata como é fundamental trabalhar com uma perspectiva de «conservação urbana integrada». Já que tal perspectiva evidencia a importância em se articular as dimensões arquitectónicas, históricas, sociais e culturais que dão consistência aos distintos valores patrimoniais e paisagísticos, com as diversas qualificações e valores físicos do edificado, as funções/actividades que permitam a reutilização do património e a premente necessidade de pensar os núcleos históricos como parte integrante de uma cidade mais ampla, moderna e com periferias muitas vezes problemáticas (Aguiar:1999).

Entretanto, apesar da perspectiva da «conservação urbana integrada» poder ser considerada como fundamental, a sua operacionalização teórico-metodológica e interventora, nem sempre se faz fácil ou resulta num casamento feliz. Pelo que, duas especialistas de áreas distintas – antropologia e restauro – se propõem aqui reflectir sobre algumas das questões relacionadas com a conservação do património urbano, tendo como referencial analítico a importância da salvaguarda da «imagem» das cidades e núcleos históricos, considerando que para tal se faz necessário apostar num trabalho interdisciplinar. Salientando, antes de avançar com a presente reflexão, que entendemos a «imagem urbana» como um dos aspectos que contribui para o processo de construção da identidade das cidades e núcleos históricos, estando intimamente relacionada com o ambiente social e cultural de tais contextos urbanos[3].

O presente artigo apenas é um ensaio em que se procurará equacionar algumas das particularidades, potencialidades e dificuldades em trabalhar com uma abordagem interdisciplinar das questões relacionadas com a «conservação da imagem urbana», apresentado-se a presente reflexão como um ponto de partida de uma investigação que se pretende mais profunda e alargada.

A imagem urbana como património cultural: Em busca de afinidades interdisciplinares de abordagem

Parece ser assente o facto de que para abordar a complexidade do espaço urbano, faz-se necessário compreender as cidades como algo mais que um simples resultado técnico e construtivo que, entretanto, se desenvolveu através de um conjunto de traçados viários e de uma distribuição ordenada de edifícios circunscritos a um determinado espaço territorial. Na verdade, a complexidade inerente às cidades exige uma abordagem multidimensional que leve em conta a relação entre espaços exteriores e interiores, as dinâmicas e dimensões históricas que estiveram na base da sua própria constituição, a sua qualidade artística, bem como os distintos ambientes que nela se produzem e se constróem (Argan:1992; Tavares:1998).

Por exemplo, as ruas de uma cidade podem ser caracterizadas pela dimensão e composição das suas fachadas pois, de certo modo, tal permite especificar uma dada fisionomia urbana. Dir-se-ia ainda que as fachadas dos edifícios e as formas como o traçado viário estabelece relação entre edifícios singulares, públicos, residenciais, e espaços abertos e fechados, públicos, semi-públicos e privados, também contribuem para a construção de uma dada fisionomia urbana, estando essa intimamente relacionada com o processo de construção de imagens urbanas. Mas a imagem de uma cidade e, como tal, das suas ruas, também é constituída e influenciada por práticas e valores socioculturais, simbólicos, históricos, económicos, políticos, artísticos, etc. Isto é, as ruas da cidade se manifestam como uma espécie de «vitrina» que serve para olhar e representar a cidade nos seus mais amplos sentidos e significados (Fyfe:1998).

Pode-se, assim, considerar que a imagem de uma cidade não se caracteriza somente pelos seus aspectos construtivos, arquitectónicos e geográficos, mas também através dos seus aspectos socioculturais, políticos, económicos, funcionais, etc. Como tal, o conjunto variado destes aspectos permite detectar distintos ambientes sociais e urbanos, evidenciando modos específicos de viver, construir, percepcionar, usar, representar e imaginar a cidade. E mais, estes diferentes aspectos são interactivos, influenciando-se mutuamente e dinamicamente, podendo-se assim considerar que a paisagem urbana transforma-se em conjunto com a própria sociedade. Ao que, em termos do processo de construção de imagens urbanas, é também saliente notar que a multidimensionalidade e dinâmica que lhe conferem sentido e significado, tanto dizem respeito às dimensões artísticas e plásticas como psicológicas e socioculturais.

A título de exemplo, relativamente à composição cromática dos edifícios, verifica-se que as cores das fachadas possuem uma estrutura que as ordena: a leitura do edifício como um todo estabelece-se primeiro a um nível cromático, sendo seguidamente notados os elementos decorativos, os relevos, as cornijas, as varandas e colunas, podendo assim originar vários planos cromáticos, dotando de unidade a leitura de uma determinada obra arquitectónica ou de um conjunto de edifícios. Mas ao entender-se a cidade como um amplo e complexo conjunto de aspectos, observa-se que as formas como se encontra organizado o lugar público, os modos de viver e representar o espaço, também influem na leitura que se faz de uma determinada paisagem urbana. Por exemplo, em determinados conjuntos de edifícios de arquitectura popular é possível verificar a existência de relações entre as cores adoptadas, as manifestações folclóricas e religiosas, os modos de vida, de habitar e representar o mundo, os materiais encontrados na geografia local e as próprias técnicas utilizadas na aplicação dos revestimentos cromáticos (Tavares:1998). Pode-se, então, considerar que a imagem de uma cidade – ou de um determinado núcleo urbano – está intimamente relacionada com as formas e modos pelos quais os seus habitantes e utentes a usam, apropriam e representam.

Admitindo que a imagem é um dos aspectos que permite definir um determinado lugar urbano enquanto carácter e atmosfera (Schulz:1992), parece ser aceitável considerar a íntima relação entre o processo de construção da identidade das cidades com o seu ambiente social e cultural. Sendo que, se aqui acrescentarmos a dimensão histórica a tal processo de construção da identidade de uma cidade – entendendo esse mesmo processo como multidimensional e dinâmico –, a imagem urbana pode ser considerada como um bem patrimonial de primeira instância. Do qual se pode deduzir que a salvaguarda da imagem urbana deve ser assumida como um «bem cultural», interessando a todos nós nos seus mais distintos e variados aspectos. Evitando, por exemplo, a ideia de que a imagem da cidade histórica somente diga respeito a forma como se encontram compostas as fachadas dos edifícios. Aspecto esse que, muitas vezes, tem contribuído para a prossecução de obras de intervenção em edifícios históricos através da acentuação do efeito de «fachadismo» e que, numa perspectiva mais ampla, vem por em causa a importância em se trabalhar com uma perspectiva de conservação urbana integrada[4].

Daí ser possível considerar que para manter e conservar um lugar e a sua imagem, faz-se necessário ter em conta as dimensões construtivas, formais, técnicas, decorativas e estéticas, mas também os significados, sentidos e valores simbólicos, sociais e culturais inerentes à tais dimensões. Significando com isso dizer que a salvaguarda da imagem urbana evoca a emergência de uma prática interdisciplinar de análise, avaliação, abordagem e intervenção.

Dimensões de análise para a prossecução de uma abordagem interdisciplinar das questões relacionadas com a imagem urbana

No sentido de se enfatizar alguns dos aspectos e dimensões que devem suportar o desenvolvimento de uma prática interdisciplinar de abordagem das questões relacionadas com a imagem urbana, parece-nos sobretudo importante:

§         Compreender o processo de construção da imagem urbana a partir da síntese de uma série de aspectos, factores e factos – históricos, políticos-ideológicos, socioculturais, económicos, geográficos e tecnológicos –, pois tais condicionantes localizam no tempo e no espaço as distintas culturas arquitectónicas que, por sua vez, estão directamente relacionadas com determinadas práticas e manifestações socioculturais;

§         Considerar as dimensões construtivas e decorativas do património arquitectónico, procurando levar em consideração os distintos momentos históricos, a evolução dos conhecimentos, a influência de determinados estilos, modas e gostos;

§         Analisar e interpretar a imagem urbana como um processo contínuo e dinâmico de configurações e reconfigurações;

§         Respeitar a harmonia estética e compositiva, recuperando as técnicas construtivas tradicionais e aproveitando os conhecimentos dos artifíces que ainda possam transmitir conhecimento;

§         Analisar e interpretar as imagens do passado da cidade através da consulta em distintas fontes históricas, literárias, jornalísticas e iconográficas, mas também através do conhecimento da história oral / memória social dos seus habitantes e utentes;

§         Conhecer e analisar os significados, sentidos e valores simbólicos, sociais e culturais inerentes à percepção que os indivíduos fazem da cidade ou núcleos históricos da nossa contemporaneidade;

§         Conhecer e analisar as distintas formas de manifestação cultural – festas, cerimónias religiosas, música, literatura, fotografia, arte popular, etc. –, como os modos de vida que predominam em determinados contextos – formas e modos de trabalho, habitar, lazer e diversão, etc.

§         Ampliar o enfoque analítico das questões relacionadas com o processo de construção e leitura da imagem urbana, de modo a não ser somente levado em consideração os aspectos semiológicos, mas também semânticos – discursos e representações.

Manter e conservar a imagem da cidade histórica na sua complexidade e multidimensionalidade, implica acima de tudo começar por admitir a importância em se articular as diferentes frentes disciplinares e as distintas dimensões que enformam os contextos urbanos.

Dúvidas e desafios que se colocam

Embora a preocupação em conservar a imagem urbana diga respeito a um dos aspectos a serem tidos em conta na salvaguarda do património, a premente necessidade de melhorar as condições de vida dos habitantes dos núcleos históricos é, sem dúvida, um dos principais desafios que se colocam ao nível da implementação de uma política de conservação urbana integrada, pois:

§         Como reverter o processo de degradação do edificado sem por em causa a salvaguarda do património a partir da garantia de condignas condições de habitabilidade?

§         Como garantir a salvaguarda do património urbano e, por consequência, da imagem das cidades, evitando a saída de moradores, mas promovendo a vinda de novos moradores?

A promoção da manutenção do património urbano e da sua respectiva revitalização, parece encontrar-se intimamente relacionada com a promoção do desenvolvimento social e da melhoria da qualidade de vida daqueles que habitam e utilizam a cidade histórica. Mas, em termos globais, tal traduz um desafio ao evocar a necessidade de se relacionar a proposta de salvaguarda e conservação do património urbano com as propostas de trabalho, reflexão e actuação colocadas pelos distintos saberes científicos e técnicos, os interesses políticos e económicos, e os interesses socioculturais, de modo a também articular tais dimensões e aspectos com os diferentes serviços públicos, a intervenção que se desenvolve nos espaços públicos urbanos, as propostas de animação sociocultural, a educação, a intervenção social, a gestão das cidades, etc. O que, por outro lado, implica considerar que as políticas que enquadram a prática de conservação urbana, como a própria reflexão que se faz em torno dessas questões, devem ser entendidas como um processo global, necessário para a reformulação de determinadas políticas de protecção que se façam de forma isolada e que, em alguns casos, parecem querer «congelar» um determinado bem ou valor patrimonial e cultural. Como, por exemplo, é o caso das políticas de intervenção no património urbano que assentam numa perspectiva de «conservação fundamentalista», ou ainda na ideia de recriação da «autenticidade de um património etnológico» (Bourdin:1996; Menezes:2000).

Voltando, entretanto, as questões mais relacionadas com a preocupação de salvaguarda e conservação da imagem urbana, parece ser consequente o facto de que apesar de serem muitas as potencialidades de um trabalho interdisciplinar, também são muitas as dificuldades que se colocam. No nosso quotidiano de trabalho como pesquisadoras de uma instituição vocacionada para a investigação – Laboratório Nacional de Engenharia Civil – algumas das dúvidas com que nos confrontamos dizem respeito às seguintes questões:

§         Como salvaguardar a imagem urbana através de uma política de respeito pelos valores socioculturais inerentes aos diferentes contextos urbanos?

§         Como enfatizar a importância da salvaguarda da imagem urbana através de uma perspectiva que tenha em conta a auto-valorização social e cultural?

§         Como salvaguardar a imagem das cidades sem transformar o bairro, núcleos históricos ou vilas inteiras em «museus» urbanos e/ou contextos onde a actividade terciária se torne predominante?

§         É possível promover a salvaguarda da imagem das cidade históricas sem somente responder aos anseios de uma sedenta indústria turística?

§         Como conciliar a necessidade de desenvolver e aprofundar o estudo de técnicas, e materiais construtivos adequados à recuperação e restauro dos edifícios antigos e monumentos, com a emergência de novas práticas de habitar, usar, apropriar e representar a cidade histórica?

§         Como articular conceitos, métodos e técnicas de trabalho distintos e que implicam diferentes tempos de trabalho de campo e distintas formas de análise, interpretação e apresentação de resultados?

§         Como conciliar algumas noções chaves da teoria da conservação do património, como por exemplo o conceito de autenticidade, com a quase impossibilidade de definir as práticas e representações socioculturais através desse mesmo conceito[5]?

§         Qual é a relação entre a imagem urbana e a identidade da cidade histórica?

§         Como se pode falar em conservação da imagem das cidades e/ou núcleos históricos quando se sabe que a imagem ou as imagens urbanas mudam em conjunto com a própria sociedade, ou seja, que tal se refere a um processo dinâmico de configurações e reconfigurações?

Na verdade, a necessidade de desenvolver políticas de salvaguarda que estejam conectadas com um amplo leque de outras e diferentes políticas expressa-se como um grande desafio que, entretanto, parece também fazer eco à imperiosa necessidade de desenvolver um trabalho de reflexão e intervenção que prime pela interdisciplinaridade, sobretudo ao ter em conta a multidimensionalidade dos vários e distintos aspectos que permitem definir um contexto como património urbano.

Considerações Finais

Ao equacionar um conjunto de aspectos que, por um lado, permitissem abordar a problemática da conservação da imagem urbana, a partir de uma perspectiva processual, dinâmica e dialéctica; enquanto por outro lado, inferissem a multidimensionalidade e dinamicidade do processo de construção da imagem urbana. Pretendeu-se aqui evocar a importância de se abordar, analisar e interpretar tais questões a partir de uma perspectiva interdisciplinar, como o interesse em se ampliar a discussão daquilo que se considera a imagem de uma cidade e, por sua vez, da sua própria salvaguarda. Ao que, quando aqui falou-se na importância da «conservação da imagem urbana», teve-se a preocupação de entender a imagem da cidade: (1) como um bem patrimonial e cultural que conjuga uma variedade de dimensões (construtivas, estéticas, decorativas, sociais, culturais, simbólicas, etc.); (2) como um processo de construção dinâmico e intimamente relacionado com as mudanças sociais. Assim, pressupondo que a «conservação urbana integrada» define como fundamental a salvaguarda dos elementos que se encontram na base da definição do carácter identitário e do ambiente da cidade histórica, considerou-se que a «imagem urbana» é um dos aspectos a que importa salvaguardar como forma de respeito pela história urbana e social, pelo nosso passado, presente e futuro.

Cientes que a presente reflexão apenas infere alguns tópicos que permitem pensar nas articulações disciplinares, nas potencialidades e dificuldades que se colocam ao nível de uma perspectiva de trabalho interdisciplinar. É, contudo, pertinente assumir a importância de tal como um primeiro passo de um trabalho de investigação mais amplo e profundo e onde, a partir da análise de contextos urbanos portugueses, se procurará produzir conhecimento que nos auxiliem, por um lado, a responder as tantas questões que nos colocamos, e por outro lado, orientar-nos melhor acerca do «que» e «como» salvaguardar a imagem da cidade.

Bibliografia de Referência

AGUIAR, José (1999) - Estudos Cromáticos nas Intervenções de Conservação em Centros Históricos – Bases para a sua aplicação à realidade portuguesa. Évora, Universidade de Évora, Tese de Doutorado.

ARGAN, Giulio Carlo (1993) -  A História da arte como História da Cidade. São Paulo, Martins Fontes.

BOURDIN, Alain (1996) - Su quoi fonder les politiques du patrimoine urbain, in Les Annales de la Recherche Urbaine, nº 72, Paris.

FYFE, Nicholas R (1998) - Introduction – reading the street; in FYFE, Nicholas R. (ed.), Images of the Street – Planning, Identity and Control in Public Space. London Routledge, pp. 1-10.

MENEZES, Marluci (2000) - From the Culture of the Memory to the Culture of the Design - considerations Issues; Actas do 2º Seminário Internacional de Conservação Integrada e Desenvolvimento Sustentável - Uma abordagem Teórica; Recife.

TAVARES, Martha Lins (1998) - A Rua do Bom Jesus no Bairro do Recife – Um estudo sobre o uso da cor nas fachadas de edifícios históricos. Lisboa, Universidade Lusíada, Tese de Mestrado.

SCHULZ, Christian Norberg (1992) - Genius Loci – Paesaggio, Ambiente, Architettura. Milano Electa.


NOTAS

[1]     Geógrafa, Doutora em Antropologia Cultural e Social, Investigadora Auxiliar do Grupo de Ecologia Social (GES) do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Endereço: GES / LNEC, Av. do Brasil, n.º 101, 1700.066 – Lisboa. Tel.: 351 – 218443587. e.mail: marluci@lnec.pt

[2]     Restauradora, Mestre em História da Arte e Restauro, Bolseira de Investigação do Núcleo de Arquitectura (NA) do Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa (LNEC). Endereço: NA / LNEC, Av. do Brasil, n.º 101, 1700.066 – Lisboa. Tel.: 351 – 21 844 3694. Email: marthal@lnec.pt

[3]     Muito embora, como sublinhou Aguiar (1999), as relações entre imagem e identidade urbana, imagem e valor patrimonial, imagem e ambiente urbano de natureza histórica, devam ser melhor analisadas e esclarecidas.

[4]     De acordo com Aguiar (1999), a adopção de uma proposta de intervenção no património urbano através do que se veio a chamar por «fachadismo» e que acaba por provocar sérias alterações tipológicas e funcionais, se constitui na actualidade como uma das mais sérias preocupações que se colocam ao nível da salvaguarda da identidade e do carácter dos contextos urbanos de valor patrimonial. “Para o ICOMOS, as alterações funcionais (a transferência de habitação para serviços, por exemplo) e de significado (perda da autenticidade patrimonial) provocadas por um fachadismo essencialmente especulador e culturalmente acrítico, parecem constituir hoje uma das mais sérias ameaças. Ou condicionantes, à efectiva conservação do património (...).” (idem:175).

[5]     Repare-se que a ideia de «genuinidade cultural», muitas vezes evocada por alguns técnicos e especialistas como central ao nível da preservação de determinadas práticas e manifestações socioculturais, eventualmente seria aquela mais próxima da noção de «autenticidade». Muito embora, seja muito questionável tentar revitalizar determinadas práticas socioculturais ou explicar o porque da perda de determinados saberes, práticas e valores através da ideia nostálgica de que ‘antes havia uma genuinidade’ a que importa ‘recuperar’. Pois, numa perspectiva antropológica, tal pode significar a negação da própria dinâmica que caracteriza a sociedade. Salienta-se, assim, que podendo a noção de património ser tomada como uma «invenção» (Choay:1992), convém também recordar, conforme observado por Hobsbawm e Ranger (1996), que as «tradições» são «invenções», o que permite inferir que uma «tradição» é na verdade um processo continuado de configurações e reconfigurações.


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