Políticas de Preservação do Patrimônio Histórico no Brasil e na Paraíba: o IPHAN , o IPHAEP e o Turismo Cultural

Ana Karina Pereira Cabral 1

Carla Mary S. Oliveira 2

RESUMO

Pode-se dizer que no Brasil a preocupação com o patrimônio inicia-se com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, em 1808, mas só a partir da década de 30 do século XX é que a prática da preservação no país se estabeleceu, resultado de muitos e complexos fatores a partir dos quais se estruturaram as políticas voltadas para a proteção dos mesmos. Em nível federal esse processo cristalizou-se através da criação do SPHAN - Serviço de Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, depois convertido em IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em relação às políticas voltadas para o Turismo, por esta ser uma atividade relativamente recente no país, não houve tempo hábil para que uma política consistente no setor se consolidasse. Desde a criação da Embratur, em 1966, percebe-se uma atenção maior por parte do governo, mas nada de muito significativo ocorreu em relação à estruturação e sistematização de uma política voltada ao Turismo. A recente criação do Ministério do Turismo veio a atender uma antiga exigência do setor, antes relegada a um segundo plano e sempre subordinada a outros ministérios. As atuais políticas públicas voltadas para o Turismo procuram voltar-se também para os desafios nos campos social e cultural, além do econômico, baseando-se num modelo de gestão descentraliza e procurando levar em conta as especificidades locais e planejamento territorial. Apesar da abertura, a política em relação à proteção do patrimônio no Brasil se encontra fortemente ligada ao desenvolvimento do mercado turístico, dando ênfase, muitas vezes apenas ao lado econômico. Apesar de procurar levar em conta os aspectos culturais, no fim acabou por se seguir um padrão na escolha do que deveria ser preservado/ conservado, privilegiando os monumentos em "pedra e cal" em resposta ao crescimento das cidades e à especulação imobiliária. Como exemplo de atuação governamental em nível estadual no que tange à preservação de bens patrimoniais e a relação desse fato com o Turismo Cultural, são abordadas as ações do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba - IPHAEP, surgido no início dos anos 70 do século passado.

Palavras-Chave: Brasil; Preservação Patrimonial; Políticas Públicas; IPHAN; IPHAEP; Paraíba; Turismo Cultural.

Introdução

Arte, cultura e patrimônio arquitetônico e histórico têm sido alguns dos principais alvos do Turismo em todo o mundo. A cada ano, são movimentados milhões de dólares a partir da busca de turistas por locais históricos, patrimônios artísticos e legados culturais. Assim, a criação de patrimônios nacionais passou a ser uma construção social de extrema importância política e o seu significado é atribuído de acordo com as circunstâncias do momento. A preservação de monumentos obteve papel relevante principalmente em fins do século passado quando, aos diversos órgãos especializados na área de preservação e conservação, uniram-se empresas turísticas, mídias e Estados utilizando a justificativa de um novo meio de geração de emprego e renda.

As políticas de preservação do patrimônio histórico no Brasil

A criação de patrimônios nacionais passou a ser uma construção social de extrema importância política e o seu significado é atribuído de acordo com as circunstâncias do momento. De acordo com Oliveira (2002: 45), a preservação de monumentos obteve papel relevante principalmente em fins do século passado quando, aos diversos órgãos especializados na área de preservação e conservação, uniram-se empresas turísticas, mídias e Estados utilizando a justificativa de um novo meio de geração de emprego e renda.

A construção do patrimônio nacional e seu modelo de preservação surgido na França foram conduzidos como política de Estado. Foi a partir desse modelo que se estruturou a política de preservação federal no Brasil. Antes disso, não havia qualquer noção do que seria patrimônio no país, exceto por alguns escassos exemplos. Além do que, seria quase impossível se pensar em patrimônio material se os artefatos, equipamentos e edificações ainda estavam sendo ocupadas de fato, ou sejam, ainda não haviam caído em desuso. É aí que a qualificação de monumento chega à documentação e, com ela, a criação de institutos que colecionam e preservam documentos para a construção da História do Brasil (Camargo, 2002: 74-75).

No Brasil, devido também à sua herança escravista, os objetos considerados dignos de preservação estiveram, até recentemente, relacionados à colonização, às classes proprietárias, aos brancos com acessos às faculdades e à cultura européia, tida como modelo, confirmando a ideologia dominante do branco. Nesse sentido é justificável a distância e a falta de identificação entre o patrimônio cultural e a maioria da população brasileira que não consegue se reconhecer em tais monumentos:

"Temos hoje uma gama de lugares construídos a partir de concepções de memória, de história e de patrimônio, que encerram ou encobrem disputas e falam a respeito de um passado que quer se fazer homogêneo, mas que não pertence a todos, que não traduzem um sentimento de pertencimento a todos, portanto, não respaldam um projeto de cidadania." (Oliveira, 2002: 50)

Em 1808, a chegada da Corte portuguesa ao Brasil implicou a criação de "lugares da memória" que acabariam como instrumentos de constituição da nacionalidade, a exemplo da Biblioteca Nacional e o Museu Nacional. Após a Independência, em 1838, são criados o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e o Arquivo Nacional, ambos responsáveis pela criação da história e manutenção da memória histórica nacional. O IHGB ficaria responsável por construir a história do país baseada no poder centralizador da monarquia e na aristocracia rural através da definição de comemorações, emblemas e lugares como forma de enaltecer a nação. Já o Arquivo Nacional guardaria toda a documentação de procedência do poder central, resguardando assim sua legitimação e perpetuação. Além destes, podemos citar como exemplos a Academia Nacional de Belas Artes, que teria a função de exaltar a nação, seus personagens históricos e heróis nacionais, através de suas pinturas e esculturas, assim como o Colégio Pedro II, que ficaria responsável para passar aos alunos as idéias contidas no processo histórico construído pelo IHGB (Oliveira, 2002:53-54).

Durante a gestão de Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde (1934-45), havia a preocupação de preservar o que era originariamente brasileiro. Essa preocupação também se expressava nos projetos de arquitetos, como Lúcio Costa, preocupados em compor uma arquitetura "autenticamente nacional" (Rodrigues, 2002: 20) As produções da época modificavam, definiam e até criavam novos valores para considerar o que era patrimônio. Os prédios criados durante o ministério de Capanema, mesmo antes de serem levantados, já eram projetados com o intuito de se constituir um monumento: uma edificação feita para lembrar. Seguindo a linha modernista, eram diferentes de tudo o que havia no país, o que demonstra, mais uma vez, que o patrimônio é fruto de questões políticas e ideológicas de quem está no poder.

A construção do prédio do MES (Ministério da Educação e Saúde), por exemplo, demandou um concurso público para apresentação de um projeto para o mesmo. Porém o projeto vitorioso de Arquimedes Memória não foi executado, já que Capanema havia se "horrorizado com o estilo 'neomarajoara'" proposto, decidindo, então, não executá-lo. Capanema havia ficado impressionado com os projetos descartados de jovens arquitetos como Lúcio Costa, Reidy e Carlos Leão e com o estilo moderno dos mesmos. E para a construção do prédio, foi composta uma comissão que, além destes, incluía ainda Ernani Vasconcelos, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer. Capanema se envolveu pessoalmente na construção da obra, "escolhendo pessoalmente os artistas e as obras de arte que iriam decorá-lo" (Londres, 2001: 90):

"Esse envolvimento não decorreu apenas de um interesse estratégico, tendo em vista a importância política e simbólica da obra. Foi também como homem de cultura e mesmo, em certo sentido, como criador que Capanema acompanhou e discutiu com arquitetos e artistas os detalhes de seus projetos, opinando, intervindo, selecionando e recusando." (Londres, 2001: 90)

Nesse mesmo período houve projetos de lei de criação de órgãos de proteção ao patrimônio apresentados no legislativo federal e pela criação de Inspetorias Estaduais de Monumentos Nacionais (na Bahia, em 1927 e em Pernambuco, em 1928). Porém, a atuação das mesmas ficou limitada ao inventário de bens locais (Rodrigues, 2002: 20).

A prática da preservação do patrimônio no Brasil só se estabeleceu a partir da década de 30, resultado de muitos e complexos fatores a partir dos quais se estruturaram as políticas voltadas para a proteção dos mesmos. Os esforços realizados para desenvolver a idéia de proteção ao patrimônio se efetivaram no governo de Getúlio Vargas, através do Decreto n. 2.928, de 12 de julho de 1933, que consagrava Ouro Preto como "monumento nacional" (Rodrigues, 2002: 20). E o SPHAN - Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional já seria criado, em 1937, sob "as condições políticas e simbólicas para a hegemonia dos modernistas" (Londres, 2001: 94). Essas medidas articulam-se a outras da Era Vargas para tornar o patrimônio um atrativo turístico de forma a ampliar a oferta turística, mesmo que essa atividade não representasse uma possibilidade para todas os segmentos da sociedade, como ainda hoje o é.

Em 30 de novembro de 1937, Vargas assina o Decreto-Lei n. 25, que teve por base um anteprojeto de Mário de Andrade (Simão, 2001: 29). Tal decreto, que ficou conhecido como Lei do Tombamento, cria o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), primeiro órgão federal dedicado à preservação (Oliveira, 2002: 54).

O tombamento 3 é o principal instrumento jurídico, até hoje aplicado, para impedir a destruição de bens culturais. Porém, o tombamento não implica a perda da posse do bem. A responsabilidade de sua conservação continua sendo do proprietário, que fica proibido de demoli-lo, descaracterizá-lo ou retirá-lo (no caso dos objetos de arte) dos limites do território nacional sem prévia aprovação do órgão competente.

De acordo com o SPHAN, a definição de patrimônio histórico e artístico nacional passou a ser:

"[...] o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico." (Cavalcanti apud Oliveira, 2000: 56)

Além da preservação e restauro, seriam atividades do SPHAN a reabilitação de bens, ampliação e codificação dos conhecimentos relativos à temática arquitetônica e artística. Mas é apenas nos anos 80 que o órgão incorpora elementos de origem popular, patrimônio imaterial (festas, danças, gastronomia etc.). Apesar dessa abertura, ainda hoje, a questão do patrimônio continua a se basear principalmente nos monumentos de "pedra e cal".

Na gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade, que ficou responsável pela direção executiva do órgão até 1967, era preciso organizar a atuação do SPHAN bem como determinar o que deveria constituir o patrimônio histórico. Sendo assim, além do trabalho que as equipes do SPHAN tiveram, as mesmas também receberam bastante influência no que era determinado como patrimônio. Assim, "a configuração que assumiu o patrimônio histórico e artístico nacional reflete o projeto modernista de instituir como genuína arte nacional o barroco mineiro e a arte moderna" (Sant'Anna apud Simão, 2001: 27).

Como os componentes das equipes provinham do Movimento Modernista de 22, o projeto do Ministério também era modernista. Assim, o estilo eclético predominante na República Velha não constou nos catálogos do SPHAN. Os bens designados como patrimônio teriam que expressar uma monumentalidade, privilegiando as construções religiosas, militares, palácios e residências senhoriais. Tomemos como exemplo a construção da cidade de Brasília e do prédio do Ministério da Educação e Saúde, ambos nascidos com a finalidade de constituírem monumentos (Oliveira, 2002: 60).

Também ficou de fora todo um patrimônio cultural não-monumental, conseqüência da não adoção das idéias, propostas e experiências de Mário de Andrade que mostravam a concepção de patrimônio mais ampliada e distante da noção de monumento. Apesar de seu bom relacionamento com Rodrigo Melo Franco de Andrade, Mário de Andrade "não conseguiu um lugar na estrutura do ministério onde pudesse trabalhar de forma sistemática, contínua e integrada à estrutura central do órgão" (Londres, 2001:98). Da mesma forma as propostas de Mário de Andrade de pluralidade da cultura brasileira, iam de encontro ao ideário de unidade nacional do governo, já que até na cultura era preciso "construir uma imagem coesa e homogênea da nação" (Londres, 2001: 98-99). Em 1967, assumiu o órgão Renato Soeiro, que trouxe algumas mudanças em relação à política de tombamentos que passou a ser dirigida aos conjuntos e não apenas à construções individuais. Renato ficaria na diretoria até 1979, sendo substituído por Aloísio Magalhães (Oliveira, 2002: 61).

A partir de 1968, em São Paulo , a atividade do Órgão Nacional de Proteção ao Patrimônio passou a contar com o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), criado pela Lei n. 10.247, de 22 de outubro de 1968, e subordinado à Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo (Rodrigues, 2002: 21). O casamento entre patrimônio e turismo nesse momento parecia perfeito e se apresentava como solução para diversas situações, entre elas a "salvação" do patrimônio em razão do seu aproveitamento econômico, seguindo o modelo de outros países. Essa junção de atividades, ao mesmo tempo em que consiste na oferta de eventos e monumentos, propicia a sua preservação, no sentido de que isso corresponde à sustentação da própria atividade. Isso remete a um antagonismo: ao mesmo tempo em que o turismo utiliza o patrimônio como uma mercadoria (e nesse caso não se descarta a massificação dos lugares, o que constitui a perda de sua identidade local), é também o meio para se preservar a memória coletiva, uma vez que propicia à localidade o resgate por suas origens, sua história. Ou seja, a atividade turística acaba tendo dois lados. Pode sim, promover a preservação do patrimônio, mas cada vez mais os projetos de preservação e conservação tendem a seguir um modelo que acaba ficando saturado. Em várias cidades, temos a impressão de que seus centros históricos são cópias uns dos outros.

No início de década de 70 o Governo Federal, reconhecendo a incapacidade de proteger eficientemente todo o patrimônio nacional, apela aos Estados e Municípios para que exerçam uma ação complementar do (agora) Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), classificando (tombando) e protegendo monumentos de interesse regional ou local. Pressiona porém a ambos, para criarem legislações à imagem e semelhança da federal. É a partir daí que nasce o IPHAEP, órgão responsável pela preservação do patrimônio histórico no Estado da Paraíba.

O IPHAN, ao longo dos anos, desde sua fundação teve caráter unilateral, já que seus técnicos agiam sozinhos, sendo as parcerias se darem em casos isolados, vindo apenas a ter uma forma efetiva no final da década de 60 e início de 70 (Oliveira, 2002: 67). Além disso, "o final da década de 60 e a década de 70 caracterizam-se (...) pela tentativa de elaboração de planos urbanísticos e pelo crescimento desordenados dos núcleos urbanos" (Simão, 2001: 35). Em 1973, o Programa de Cidades Históricas (PCH) pretendia criar linhas de crédito para a restauração de imóveis destinados ao aproveitamento turístico e à formação de mão-de-obra especializada em restauro no Nordeste, sendo expandido para Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo em 1975. Atuando de forma independente até o final da década de 70, o PCH foi incorporado ao IPHAN quando da criação da Fundação Nacional Pró-Memória, em 1980 (Simão, 2001: 35-36).

Com a promulgação da Constituição de 1988 abriram-se outras possibilidades para a proteção dos bens culturais no país, com a previsão de novos instrumentos legais, entre os quais a competência compartida da União, Estados e Municípios em matéria de patrimônio, a planificação urbana, o inventário e o registro áudio visual de manifestações culturais performáticas. Infelizmente, essas possibilidades em sua grande maioria não foram ainda utilizadas, em grande parte pelo temor de compartir com outras instâncias de poder competências exclusivas.

O patrimônio histórico e arquitetônico no Brasil ainda não foi assumido pelo poder público como objeto de políticas que favoreçam a solução de graves problemas sociais, e parece ainda não atender satisfatoriamente o desenvolvimento da atividade turística, salvo algumas exceções já consagradas, como as cidades históricas mineiras e o Centro Histórico de Salvador, o que não quer dizer que essas cidades não apresentem suas dificuldades no que se refere à sustentabilidade das atividades desenvolvidas nos ambientes restaurados. É bem verdade que nos últimos anos outros exemplos de bens culturais brasileiros têm sido considerados "patrimônio da humanidade" (categoria de reconhecimento internacional criada pela Unesco em 1972) que, pela própria divulgação que propicia, favorece a atividade turística. Pode-se citar o caso de São Luiz no Maranhão, que recentemente teve um aparecimento contínuo na mídia, resultado de uma agressiva campanha de marketing.

Com a posse de Fernando Collor de Mello, na década de 90, houve uma reestruturação do IPHAN/ Pró-Memória. Este passou a se chamar Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural - IBPC. Além disso, foi editado o Decreto n. 3.551, de 04 de agosto de 2000, que instituiu o registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, constituintes do Patrimônio Cultural Brasileiro, como também a criação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Até a década de 60 poucas eram as leis que tratavam da preservação dos bens culturais, só vindo a ocorrer um aumento a partir da década de 80.

Procurando dar mais espaço para a discussão do tema, ocorreu em 1970 o I Encontro de Governadores para a Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural do Brasil, que ficou conhecido como o Compromisso de Brasília. Visava à criação de organismos responsáveis pela preservação do patrimônio de cada Estado e município, em conjunto com a DPHAN - Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ficando os mesmos responsáveis pela elaboração de uma legislação estadual para proteção/ preservação dos patrimônios. Dando continuidade às primeiras discussões, o II Encontro ocorreu em 1971, dessa vez em Salvador.

Em relação às políticas voltadas para o turismo, por esta ser uma atividade relativamente recente no país, não houve tempo hábil para que uma política consistente no setor se consolidasse. Desde a criação da Embratur, em 1966, percebe-se uma atenção maior por parte do governo, mas nada de muito significativo ocorreu em relação à estruturação e sistematização de uma política voltada ao turismo. A recente criação do Ministério do Turismo veio a atender uma antiga exigência do setor, antes relegada a segundo plano e sempre subordinada a outros ministérios.

Sendo assim, de acordo com o Plano Nacional de Turismo - Diretrizes, Metas e Programas - 2003-2007 - do atual Governo Lula, o turismo é tido como o segmento da economia que pode atender de forma mais adequada os desafios no campo do desenvolvimento econômico e social. O documento cita ainda o turismo como atividade como forma de proteção ao patrimônio natural e cultural, como instrumento e organização e valorização da comunidade, como instrumento de fortalecimento da identidade local, entre outros. O plano segue o modelo de gestão descentralizada e participativa, levando em conta as especificidades locais e situando os diversos atores sociais (governo, iniciativa privada, terceiro setor, comunidade local) como sujeitos do planejamento turístico.

Um dos programas que dá ênfase ao planejamento e desenvolvimento turístico em âmbito regional é o Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo Regional/ PRODETUR, que segue o modelo econômico neoliberal proposto por organismos internacionais como o FMI, o BID e o BIRD. Na região Nordeste, o programa procura fortalecer o turismo na região de modo a consolidá-lo como importante pólo nacional e internacional. Porém existem muitas contradições no programa e nem sempre ele é seguido à risca. Percebe-se, muitas vezes, uma falta de coerência e articulação intersetorial, além do descaso com o planejamento territorial e ambiental. Isso também se estende à preservação do patrimônio no país.

Voltando à questão da preservação do patrimônio, assim ficou definida a política nacional em relação à proteção do mesmo. Fortemente ligada ao desenvolvimento do mercado turístico, seguindo o exemplo de outras cidades pioneiras nesse aspecto. E apesar de procurar levar em conta os aspectos culturais, no fim acabou por seguir um padrão na escolha do que deveria ser preservado/conservado, ou seja, motivado pelo viés turístico que iria privilegiar os monumentos em "pedra e cal" em resposta ao crescimento das cidades e à especulação imobiliária.

A atuação do IPHAEP na Paraíba

Importante salientar que o tombamento não significa, necessariamente, que o bem estará a salvo da destruição. Há vários exemplos em que muitas vezes o patrimônio é tombado e logo depois esquecido, ou mesmo, recebe intervenções por parte de leigos que buscam soluções para os problemas do local. Muitas vezes, essas intervenções acabam por piorar a situação. Um dos casos mais ilustres na Paraíba é das Itacoatiaras do Ingá, onde ao longo dos anos percebe-se a ação de vândalos no local e que, para tentar resolver esse problema, levantou-se um muro de placas de concreto para isolar a área, o que acabou por descaracterizar completamente o local. Assim, fica visível que apenas a ação de tombar, apesar de necessária, não basta para garantir a integridade do patrimônio.

Desde o ano de 1938, o IPHAN vinha realizando tombamentos na Paraíba. Ainda não havia um órgão responsável pela preservação e conservação do patrimônio no Estado. A seguir é possível visualizar esse processo, numa tabela contendo as obras tombadas pelo órgão, os municípios onde estão situadas e os respectivos anos de intervenção:

TABELA 1

BENS PATRIMONIAIS TOMBADOS PELO IPHAN NA PARAÍBA - ENTRE 1938 E 1971


MUNICÍPIO

DESCRIÇÃO

DATA DE TOMBAMENTO

Cabedelo

Fortaleza de Santa Catarina

24/05/1938

Ruínas de Forte Velho

09/08/1938

Ingá

Itacoatiaras do Ingá

29/05/1944

João Pessoa

Capela do Engenho da Graça

30/04/1938

Casa na Praça do Erário, atual Paço Municipal

26/04/1971

Casa da Pólvora

24/05/1938

Convento e Igreja de Santo Antônio, Casa de Oração e Claustro da Ordem 3ª de São Francisco, o adro, o cruzeiro fronteiriço e a área da antiga cerca conventual

16/10/1952

Fábrica de Vinho Tito Silva

02/08/1954

Fonte Pública do Tambiá

26/09/1941

Igreja da Misericórdia

25/04/1938

Igreja da Ordem Terceira de São Francisco

05/05/1938

Ruínas da Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes
(N. Sra. de Nazaré do Almagre)

12/08/1938

Igreja da Ordem 3ª do Carmo

22/07/1938

Igreja de Santa Teresa de Jesus

22/07/1938

Igreja do Mosteiro de São Bento

10/01/1957

Sobrado na Rua Peregrino de Carvalho, nº 117

21/06/1938

Lucena

Capela de Nossa Senhora da Guia

16/05/1949

Pilar

Edifício da antiga Cadeia Pública

31/07/1941

Santa Rita

Igreja de Nossa Senhora das Batalhas

15/07/1938

Igreja de Nossa Senhora do Socorro

15/07/1938

Capela do antigo Engenho Una, atual Engenho Nossa Senhora do Patrocínio

11/02/1955

Sousa

Casa da Fazenda Acauã, capela e sobrado anexo

27/04/1967


Fontes: Carrazzoni (1987) e Teles (1975) ( apud Oliveira, 2002: 73).

Apesar dessas ações do IPHAN na Paraíba, apenas em 31 de março de 1971 é que teremos um órgão voltado exclusivamente para a questão do patrimônio paraibano. O IPHAEP (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba) foi criado pelo Decreto-Lei n. 5.255, fazendo parte da estrutura organizacional da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Paraíba. Esse ato do poder público estadual teve a finalidade de preservar os bens culturais da Paraíba que não se encontravam sob proteção e guarda do IPHAN. Além disso, compreenderia bens de caráter histórico, artístico, folclórico, florístico e arqueológico.

De acordo com Oliveira (2002: 74), "os recursos necessários para o funcionamento do IPHAEP viriam do Fundo Estadual de Cultura, ficando ao encargo do Conselho Estadual de Cultura que teria um prazo de trinta dias para a elaboração do regulamento de funcionamento do Instituto" . O órgão teve vários problemas no início de seu funcionamento, "principalmente porque a Secretaria de Educação e Cultura não tinha verbas destinadas ao funcionamento do IPHAEP, não existia pessoal qualificado e conhecedor do ofício e muito menos uma sede para abrigar o Instituto" (Oliveira, 2002: 77). Além disso, mesmo que o IPHAEP se espelhasse nas ações do órgão nacional, não havia ainda uma legislação que regulamentasse seu funcionamento e ações.

A indicação de pessoas que iriam compor o Conselho Consultivo era feito pelo professor Linduarte Noronha, o que foi feito considerando seus laços de amizade. Além das discussões sobre as dificuldades em se trabalhar com tão poucos recursos, falta de estrutura, pessoal, entre outros, o Conselho discutia sobre as possibilidades de tombamento, a exemplos de Baía da Traição, Ilha do Tibiri, as Igrejas da Paraíba, Parques de Flora Medicinal nas principais cidades do Estado e a Av. General Osório (Oliveira, 2002: 82). Fica evidente então, que não eram só privilegiadas as construções de "pedra e cal" como eram no início do funcionamento da política voltada para a preservação do patrimônio no país. Apesar disso, a variedade de propostas ocasionavam discussões a respeito de a quem caberia a palavra final sobre o tombamento, que posteriormente coube ao Conselho Cultural.

Foram iniciativas do IPHAEP: um convênio com a UFPB para a elaboração e execução do levantamento do Acervo Arquitetônico dos Monumentos Históricos do Estado da Paraíba; a proposta para a criação do Museu da Imagem que reproduziria quadros de pintores paraibanos (o que não saiu do papel); o mapeamento da Bacia do Rio do Peixe, em Sousa, para o tombamento da área onde se encontram os vestígios de pegadas de dinossauros; convênio com a Prefeitura Municipal de João Pessoa, a qual obrigava-se a consultar o órgão em caso de qualquer reforma, demolição ou alteração de edificações que constassem na Zona de Preservação Rigorosa ou apresentassem características arquitetônicas ou históricas dignas de preservação (Oliveira, 2002: 82-83).

Percebe-se que houve uma concentração de intervenções na cidade de João Pessoa, que contava já com 800 imóveis tombados, como também uma preocupação centrada principalmente na arquitetura, que passou a fazer parte dos pareceres e foi determinante para futuros tombamentos. Os estilos que mais se destacaram nessas intervenções foram o Belle Époque, o Neoclássico, o Art Nouveau, o Colonial, o Cubismo e o Regionalismo (Oliveira, 2002: 84).

Mesmo centrado no viés arquitetônico, o órgão dedicou atenção à proteção ambiental, com a aprovação, em 16 de dezembro de 1976, do Projeto de Lei Complementar n. 12, que regulamentava e fiscalizadas as construções na área do Altiplano Cabo Branco e na Praia do Seixas 4. O IPHAEP se deparou com algumas dificuldades, entre elas, a especulação imobiliária. Além do mais, o local era (e ainda é) alvo de projetos para a exploração turística. É no referido local que será implantado o Centro de Convenções de João Pessoa. Há ainda a proposta de construção de 19 hotéis com capacidade para 3.150 leitos para o local, mesmo este sendo uma APA (Área de Proteção Ambiental) de acordo com plano diretor da cidade (Cabral, 2005: 11)

A orla marítima também passou a contar com a jurisdição do órgão a partir do Decreto-Lei n. 9483, de 10 de maio de 1982. O mesmo regularizava o uso do solo em relação a construções, loteamentos e urbanização nas áreas compreendidas entre 300 e 500 metros da orla. Como o Parque Estadual do Altiplano Cabo Branco não saiu do papel, ocorreu o destombamento da área que era destinada ao mesmo, como também as atribuições do IPHAEP sobre a faixa da orla marítima. Isso de acordo com o Decreto n. 11.204, de 22 de janeiro de 1986, que revogava os Decretos de n. 9.482 e 9.483, de 13 de maio de 1982. O documento assinado pelo então Governador Wilson Leite Braga, "(...) colocava o direito de propriedade acima da função social do bem e informava que a intervenção governamental na propriedade privada não pode exceder aos limites constitucionais (...)" (Oliveira, 2002: 89).

Posteriormente veio o Decreto-Lei n. 9.484 (de 13 de maio de 1982) que delimitava a área do Centro Histórico Inicial de João Pessoa, fruto do convênio do Governo da Paraíba e o Governo Espanhol, devido ao fato de João Pessoa ter sido fundada na época da União Ibérica. O Decreto-Lei n. 12.239, de 24 de novembro de 1987, criou a Comissão de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, que antes integrava o Gabinete de Planejamento e Ação Governamental, passando ela a fazer parte da estrutura organizacional do IPHAEP no ano de 1991, de acordo com a Lei n. 5.357, datada de 16 de janeiro.

No governo de Ronaldo Cunha Lima, em março de 1991, assumiu a diretoria do IPHAEP Edivanira Toscano de Oliveira Moraes, após 17 anos em que o professor Linduarte Noronha esteve à frente do órgão. Foi nessa gestão que ocorreu o episódio do Shopping Casa Grande, na Praça da Independência, em João Pessoa , que por se encontrar em área de preservação demarcada, deveria ter autorização do órgão para qualquer intervenção em se tratando de obras. Porém, as obras foram iniciadas mesmo sem autorização e fora do expediente normal, sendo embargada mais tarde por conta de uma denúncia de um funcionário do IPHAEP.

Edivanira Toscano foi exonerada em 10 de maio de 1997, ficando em seu lugar Eulina Almeida Lira Nóbrega, que exerceu o cargo até 30 de maio de 1998. Em sua gestão, temos o retorno dos tombamentos realizados pelo IPHAEP após 17 anos, representado pelo prédio da Reitoria da Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande. A partir daí, o IPHAEP se utilizaria de uma documentação formal contendo os registros dos motivos pelos quais os bens patrimoniais deveriam ser tombados. Posteriormente, na gestão de Rui Cezar de Vasconcelos Leitão, de 30 de maio de 1998 até 25 de janeiro de 1999, temos o tombamento de importantes monumentos como, o Theatro Santa Roza, a Basílica de Nossa Senhora das Neves, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, e a Igreja de São Frei Pedro Gonçalves. Rui Cezar foi substituído pelo professor Francisco de Sales Gaudêncio, docente do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba. A gestão de Gaudêncio foi caracterizada pelo crescimento do número de tombamentos, totalizando vinte imóveis. Apesar disso, foi preciso esperar vinte e seis anos, desde a fundação do IPHAEP, para se realizar o tombamento de bens não imóveis: uma pintura de óleo sobre madeira representando a Assembléia de Pacificação , de autoria do paraibano Flávio Tavares, e um painel em aço escovado representando a Pomba da Paz , de autoria do paraibano Raul Córdula. Ambas se encontram na Assembléia Legislativa do Estado (Oliveira, 2002: 95).

Com a gestão do professor Itapuan Bôtto Targino, a partir de 07 de abril de 2001, o IPHAEP passa a ter uma atuação mais dinâmica, com a interiorização das práticas preservacionistas, onde se verifica um aumento considerável de intervenções fora de João Pessoa, a delimitação de centros históricos em várias cidades e a realização de tombamentos temáticos, a exemplo das estações ferroviárias. Recentemente, em notícia veiculada na internet, várias instituições estão engajadas em debater formas de desenvolvimento para o Centro Histórico de João Pessoa, sugerindo até que o mesmo chegue à condição de Patrimônio da Humanidade, como ocorreu recentemente com São Luís, no Maranhão. Já a cidade de Areia foi reconhecida no último mês como Patrimônio Nacional pelo Ministério da Cultura. O centro histórico da cidade possui desenho que remete à primeira fase do período republicano. Além do conjunto urbano com casarões do final do século XIX e início do XX, a cidade se faz notável pela sua história e por ser berço de notáveis personalidades de reconhecimento nacional e internacional.

Desde 1987, um convênio firmado entre os governos brasileiro e espanhol resultou no Projeto de Restauração e Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. Na primeira etapa do processo de restauração, pode-se dizer que o carro-chefe foi a Praça Antenor Navarro, porém em todo o processo, não houve um comprometimento na consolidação entre o setor público e a iniciativa privada, como também não foi abordada a estrutura urbana num sentido macro. Essas devem ter sido umas das razões para o fato do esquecimento em que se encontra hoje a praça Antenor Navarro, que por não ter havido um planejamento que abordasse principalmente a comunidade do entorno, levou à não sustentabilidade da atividade turística na área. A próxima etapa do processo de restauração e revitalização do centro histórico está orientada para o Porto do Capim, no qual constam no projeto a revitalização do leito do rio Sanhauá, construção de piers que serviriam de atracadouros, construção de uma praça de eventos e lazer, um centro de apoio aos turistas, entre outros (Guerra, 2005: 6-7).

Verifica-se que os bens tombados possuem características de traços suntuosos, a exemplo das edificações, que procuram lembrar feitos da "História Oficial". Assim, são bens que representam uma elite, que procura resguardar fatos e personagens que foram importantes na construção da História do Estado:

"Quando não na representação dos chamados homens de bem, baseiam-se nos atos realizados ou nas homenagens propostas a determinados empreendedores e homens de cultura..." (Oliveira, 2002: 102)

Após o Compromisso de Salvador, houve uma maior divulgação em relação à preservação do patrimônio através de restaurações, criação de museus além da inauguração do Hotel Tambaú e reforma da Estação Termal Brejo das Freiras, aliando a questão da preservação ao turismo, como parte integrante das potencialidades turísticas do Estado.

TABELA 2

BENS IMÓVEIS TOMBADOS PELO IPHAEP EM JOÃO PESSOA

DESCRIÇÃO

DATA DE TOMBAMENTO

Praça da Independência, Coreto e Obelisco

26/08/1980

Parque Arruda Câmara

26/09/1941 (IPHAN)
26/08/1980 (IPHAEP)

Coreto da Praça Venâncio Neiva

26/08/1980

Parque Solon de Lucena

26/08/1980

Balaustrada e casarões da Av. João da Mata

26/08/1980

Igreja de S. Frei Pedro Gonçalves

02/12/1998

Igreja de Nossa Senhora do Carmo

02/12/1998

Palácio do Bispo

26/08/1980

Igreja de Nossa Senhora do Rosário

02/12/1998

Biblioteca Pública do Estado

26/08/1980

Academia de Comércio Epitácio Pessoa

02/12/1998

Teatro Santa Roza

02/12/1998

Liceu Paraibano, Instituto de Educação da PB e Escola de Aplicação

26/08/1980

Prédio da Faculdade de Direito

26/08/1980

Associação Paraibana de Letras

26/08/1980

Prédio do Núcleo de Arte Contemporânea - NAC/ UFPB

26/08/1980

Fazenda Ribamar (Boi-Só)

26/08/1980

Casarões n° 265 e 366 da Rua da Areia

26/08/1980

Sobrado do Conselheiro Henriques

26/08/1980

Palacete da Praça da Independência

26/08/1989

Casarão dos Azulejos

26/08/1980

Prédio da Associação Comercial da Paraíba

26/08/1980

Palácio da Redenção

26/08/1980

Sede do IPHAEP

26/08/1980

Palácio do Tribunal da Justiça

26/08/1980

Hotel Globo

26/08/1980

Antigo Prédio dos Correios e Telégrafos

26/08/1980

Comando Geral da Polícia Militar

26/08/1980


Fonte: Oliveira (2002: 104-132).

Considerações Finais: Políticas e Práticas em Áreas Revitalizadas

Embora o Decreto-Lei Federal n. 25/ 1937 reflita as concepções e preocupações da época, este continua a ser, ainda hoje, o fundamento da proteção do patrimônio cultural brasileiro. O mesmo protege basicamente a integridade e a visibilidade do monumento, mas não o seu uso social e econômico. Além do mais, nem sempre a lei é cumprida. Não dispomos, portanto, de nenhuma legislação específica sobre Centros Históricos com os instrumentos legais e administrativos que possibilitem uma política mais eficiente de reabilitação urbana dos mesmos. Há uma evidente desarticulação nas ações do instituto responsável pela preservação do patrimônio no país. Além do mais, o Poder Público Municipal, possui poucas condições de fiscalizar e regular tais ações por conta da descontinuidade das ações provenientes das mudanças de governo.

Pode-se citar diversos problemas que ocorrem em áreas históricas urbanas, ocasionados como conseqüência de um mau planejamento e uma má gestão. Uma das maiores dificuldades é a falta de acessibilidade a essas áreas em muitas cidades. Para que seja feito o resgate de algumas das funções tradicionais do local a ser revitalizado, bem como a introdução de novas, é preciso recuperar a acessibilidade ao local, não contemplada no contexto das novas redes de transporte urbano. Esse é um fator importantíssimo para a consolidação da função administrativa municipal, para os serviços, incluindo o turismo, e para a fixação de uma população de poder aquisitivo médio.

Além disso, as atuais políticas de preservação deveriam voltar-se também para a melhoria de fatores que promovam a qualidade de vida da população e não apenas ao patrimônio edificado e cultural, como se fosse ignorada a dinamicidade desses lugares. As áreas preservadas ou aquelas candidatas a um projeto de restauração/ revitalização fazem parte de um todo que constitui uma rede urbana. Não podem ser tratadas como uma área estagnada, protegida por uma redoma de vidro.

Tanto o Governo Federal como o Governo de alguns Estados dispõe de programas de incentivos fiscais à cultura, que são muito utilizados para a produção de espetáculos, mas pouco usados na conservação e valorização do patrimônio. Os espetáculos, ainda que de baixo custo, projetam rapidamente os patrocinadores na mídia, o que não acontece com as obras de restauração, mais custosas e demoradas.

É importante que haja uma política de preservação do patrimônio histórico que transcenda simplesmente a criação de centros culturais. Atualmente são muitos os edifícios tombados (ou em processos de tombamento) destinados apenas para esse fim. É preciso buscar outras atividades para esses imóveis. Como também não adianta apenas tombar e "congelar" o prédio. Atualmente essa postura é parcial, pois já existe uma série de edifícios tombados, o que é preciso é que eles não venham abaixo. É importante promover a atualização e a modernização dos prédios tombados, inclusive para uso residencial, ao mesmo tempo em que não se tornem edificações-fantasma, mas sim ocupados por atividades adequadas.

Arte, cultura e patrimônio arquitetônico e histórico têm sido alguns dos principais alvos do Turismo em todo o mundo. O patrimônio artístico de um povo é a expressão viva de sua identidade social. A cada ano, são movimentados milhões de dólares a partir da busca de turistas por locais históricos, patrimônios artísticos e legados culturais. Como um dos objetivos principais para a recuperação dessas áreas é a atividade turística cultural, esta muitas vezes passa de uma das metas a função exclusiva da área, exigindo o afastamento de outras atividades e moradores. Os centros históricos têm sido tratados, durante as últimas décadas, como uma entidade territorial autônoma, administrada pelo Estado, em meio a uma área urbana degradada e pobre. O turismo faz com que o local se torne um atrativo, o que geralmente culmina com a oferta de serviços relativamente onerosos para a população local. Isso acaba por afastar a comunidade local, ou a faz exercer atividades informais em troca de alguns trocados (Chauí, 1992: 42).

Evidentemente, não se nega a importância do Turismo no mundo contemporâneo e o papel que o mesmo teve nos projetos de restauração. Mas não se pode imaginar que apenas essa atividade, em grande parte sazonal, possa ocupar e sustentar as áreas de centros históricos. Qualquer atividade que não leve em consideração a participação dos moradores do entorno não se baseia nas condições que a remetem a uma atividade sustentável. Uma re-introdução de uma população fixa e serviços correlatos no centro histórico criaria uma economia local mais consistente e menos dependente de fatores externos, onde atividades produtivas não-poluentes, como as confecções e ateliês de cooperativas artesanais, poderiam conviver no mesmo quarteirão com serviços modernos, o chamado terciário superior, e produtores culturais diversos. Precisamos oferecer uma diversidade de serviços nessas áreas, que façam com que as pessoas voltem a freqüentar o lugar em razão dos mais variados motivos.

Artes e cultura devem vir a ser um caminho para o progresso e a geração de novos empregos para a comunidade local, além de possibilitar o desenvolvimento de áreas do entorno da cidade. As possibilidades de ampliação do setor econômico se concretizam na medida em que o patrimônio artístico, cultural e histórico possa atrair turistas, gerar oportunidades de novos negócios, distribuir renda e criar percepção de que este ramo de atividades pode se tornar um empreendimento lucrativo, podendo inclusive, mudar a relação do Estado para com a cultura, tradicionalmente relegada a segundo plano na lista de prioridades.

É dever do Governo o resgate do patrimônio artístico e cultural devendo o mesmo ser bem planejado, pensado a partir de termos éticos, economicamente coerentes, e seguindo os parâmetros de políticas que gerem sustentabilidade, enfrentando o desafio da educação ambiental com novas técnicas metodológicas de conhecimento e, principalmente, na conscientização da sociedade. Faz parte de um processo enorme que evidencia os esforços de uma sociedade para a conservação e a recuperação da memória e manutenção de sua identidade.

Embora as leis referentes à proteção do patrimônio estabelecidas na década de 30 reflitam as concepções e preocupações da época, este continua a ser, ainda hoje, o fundamento da proteção do patrimônio cultural brasileiro. O mesmo protege basicamente a integridade e a visibilidade do monumento, mas não o seu uso social e econômico. Isso significa que não basta apenas tombar o bem, é preciso criar condições para que ele tenha novos usos, daí a atividade turística ser um importante aliado nessa questão. O importante é que a comunidade local não seja excluída desse processo, pois não se pode imaginar que apenas essa atividade, em grande parte sazonal, possa ocupar e sustentar as áreas de centros históricos. Qualquer atividade que não leve em consideração a participação dos moradores do entorno não se baseia nas condições que a remetem a uma atividade sustentável.

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Notas

1) Graduanda em Turismo pela Universidade Federal da Paraíba. E-Mail: <anakarinajp@gmail.com>

2) Orientadora da pesquisa. Historiadora e Doutora em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba. Professora Adjunta do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba. E-Mail: <cms-oliveira@uol.com.br>.

3) Consiste na inscrição do bem em um dos quatro Livros do Tombo que são: arqueológico, etnológico e paisagístico; histórico; de belas-artes; e das artes aplicadas (Simão, 2001: 30).

4) Inclusive foi proposto a criação do Parque Estadual do Altiplano Cabo Branco, tendo Roberto Burle Marx sido convidado para executar a organização paisagística do mesmo. Para maiores detalhes em relação àquela área ver Oliveira (2002).


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