Reflexões sobre turismo, lazer e sociedade: em busca de interfaces
Durcelina Ereni Pimenta Arruda
Breve Currículo: Turismóloga, faz especialização em Docência no ensino superior no PREPES (PUC Minas) e Turismo e Desenvolvimento Sustentável no Instituto de Geociências da UFMG, foi bolsista de Iniciação Científica (IC) do Centro Universitário UNI-BH e da FEAD ( Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais) desenvolvendo pesquisas sobre Juscelino Kubitschek e também sobre mercado de trabalho de turismo em BH. Publicou artigo no XXV CBTUR (Congresso Brasileiro de Turismo) 2005 e também no Boletim de Estudos Sobre Hotelaria e Turismo (BEHT). Participa ainda de projetos de extensão no Parque Natural do Caraça, através de Convênio com a PUC Minas.
Resumo : Este artigo discorre sobre a importância do lazer para o ser humano na obtenção de uma melhor qualidade de vida, tanto profissional quanto intelectual. Além do lazer em si o artigo trata das sociedades que recebem estes turistas que saem de férias em busca de áreas diferentes do seu habitat natural. Discute-se também o impacto que este turista causa não só na região como também junto aos aspectos culturais e sociais da população receptiva. Em suma, o artigo procura demonstrar a necessidade de um diálogo entre aqueles que querem produzir as situações que geram um fluxo de Turismo e lazer e aqueles que se preocupam com os impactos desse fluxo.
Introdução
O ser humano não nasceu turista, mas a curiosidade pelo desconhecido o torna um ser capaz de desvendar as mais diferentes culturas. Essa busca pelo modo de cultura de outras sociedades mais longínquas ou até mesmo próximas, deixou de ser uma mera curiosidade na sociedade atual e passou a fazer parte de suas necessidades básicas e imediatas.
O homem acaba desejando a possibilidade de poder viajar, de fazer descobertas. Busca-se hoje viajar para abandonar as condições intensivas de trabalho, conhecer melhor locais visualizados apenas através de fotos ou livros, fugir da dinâmica das grandes cidades, com sua velocidade e carga de tensão que chegam a níveis insuportáveis ao ser humano. Em suma: o homem viaja hoje em busca de distração ou conhecimento.
Hoje o ser humano encontra-se cada fez mais imbuído de afazeres do trabalho, vistos em nossa sociedade como mais importantes, deixando de lado a prática do lazer e do tempo livre. O homem do século 21 está em um estágio de sobrecarga tão grande, que tem se tornado estressado e esgotado, tanto na sua forma física quanto psíquica. Para encontrar uma compensação a tudo que lhe falta no seu cotidiano, tudo que perdeu ou desapareceu, ele busca o lazer como uma forma de relaxamento e encontro do seu próprio eu. Alguns utilizam as viagens como uma forma de se desligar dos problemas. Com efeito, a viagem leva à liberdade da dependência social, desliga e refaz as energias, ao desfrute da independência e à livre disposição do próprio ser.
As pessoas buscam as férias interessadas no repouso que lhe trará, mas segundo Jost Krippendorf (1989:13):
As férias e o lazer provocam um estresse considerável. Vários médicos estudaram esta questão e constataram que a grande maioria das 'pessoas em férias normais', não volta para casa relaxada e repousada, mas tensa, nervosa e distraída.
O estresse e nervosismo podem ser explicados pelo significado que o fim das férias traz: a volta às situações adversas anteriormente citadas.
O ser humano associa uma multidão de desejos e anseios à idéia de suas férias - o que o satisfaz e o que desagrada - os locais a alimentação, o tempo e as diversões. Mas muitas pessoas se sentem satisfeitas pela simples razão de não precisar trabalhar - o que constitui o sumo prazer. O trabalho, considerado elemento central da sociedade humana, acaba sendo visto como obrigação e necessidade de sobrevivência.
Assim, o grande êxodo das massas - características da nossa época - e as conseqüências das condições geradas pelo desenvolvimento da sociedade industrial, resultam nas forças produtivas, que segundo MARX citado por OLIVEIRA e QUINTANEIRO (1995:71): são o resultado da energia prática dos homens, mas essa mesma energia está determinada pelas condições em que os homens se encontram colocados, pelas forças produtivas já adquiridas.
A afirmativa nos impulsiona a afirmar que o homem é o propulsor de tudo que acontece na história, a força do seu trabalho faz a sociedade desenvolver-se e faz com que entendamos a negatividade do trabalho - as forças produtivas adquiridas são as mesmas do sistema capitalista, ou seja, relações de dominação. Enquanto a não existência de condições de tempo livre para a prática do turismo pode fazer com que o homem fique preso apenas à prática produtiva do trabalho, não realizando algo para si nem para a sociedade.
A própria organização das forças produtivas do capitalismo levou à alienação em decorrência da divisão do trabalho. O emprego do tempo livre, com a condição de decidir sobre o que fazer, foi modificado para reproduzir as necessidades programadas e orientadas para a produtividade e consumo.
Em décadas passadas a indústria do turismo era vista como um projeto em expansão que poderia dar certo. O resultado disso é um turismo visto hoje como um mercado promissor pelas agências de viagem, empresas áreas, hotéis etc. O modelo político, social, econômico e cultural de nossa sociedade contemporânea influência cada vez mais nesse mercado consumidor e muitas vezes não respeita sua população local: as áreas ecológicas do local acabam sendo devastadas, mesmo sabendo que a natureza leva anos para recompor-se.
O mercado turístico não é apenas isto - ele deve ser compreendido como um conjunto de forças e personagens que o impulsiona. Recentemente tem-se acentuado o interesse de instituições, universidades, associações e movimentos alternativo em rever o sentido do turismo (PAIVA, 1999).
Geralmente o entendimento que prevalece do que seja o turismo é atropelado pela multiplicidade de interpretações, embora prevaleçam as visões econômicas e técnicas.
O mundo do lazer e turismo, sob todos os aspectos, não constituem um mundo à parte, que obedece a leis próprias. Eles são conseqüência e, simultaneamente, componentes do sistema social, econômico e cultural da civilização moderna.
O Lazer x mercado de trabalho
Na antiguidade bem como nas sociedades pré-industriais o lazer não existia senão nos festejos indissociáveis das cerimônias que dependiam em geral do culto e relações culturais, sem qualquer ligação com práticas lúdicas e prazerosas.
Nas sociedades pré-industriais da época atual encontramos numerosos trabalhadores numa situação em que o subdesenvolvimento tecnológico privam-nos de empregos ou os condena a empregos esporádicos de curta duração.
Alguns pesquisadores comparam o lazer ao modo de vida das classes aristocráticas da civilização tradicional, porém não é correto afirmar que a ociosidade dos filósofos da antiga Grécia ou dos fidalgos possa ser chamada de lazer. Tal ociosidade não esta relacionada ao trabalho, não sendo um complemento ou compensação do mesmo e sim a sua substituição. O lazer não é a ociosidade, não suprime o trabalho; o pressupõe. Corresponde a uma liberação periódica do trabalho no fim do dia, da semana, do ano ou da vida de trabalho.
As atividades da sociedade não são mais regradas em sua totalidade por obrigações rituais impostas pela comunidade. Escapando aos ritos coletivos, principalmente o trabalho e o lazer, este último depende então da livre escolha dos indivíduos, ainda que os determinismos sociais exerçam grande influência sobre a livre escolha.
O trabalho profissional tornou-se independente das demais atividades, tendo uma organização específica nitidamente separada do tempo livre.
Alguns princípios de classificação dos lazeres do ponto de vista social e cultural
A fim de ordenar os diferentes interesses associados a um grande número de conteúdos de atividades de lazer dentro das categorias que correspondem aos problemas já definidos, eles são reagrupados em cinco grupos de interesses: físicos, manuais, estéticos, intelectuais, sociais, correspondentes às categorias de problemas culturais.
Assim nas analogias entre trabalho e lazer, nota-se que o interesse da sociologia do trabalho pelo lazer nasceu da preocupação de querer melhorar as condições de trabalho e de completar ou compensar as imperfeições do trabalho.
Ao lado das teorias de que o lazer substituiria o trabalho, vieram os conflitos; de um lado os que dão ênfase a independência relativa do lazer em relação ao trabalho e de outro os que enfatizam a dependência relativa do lazer em relação ao trabalho. A primeira .poderá desenvolver modelos de lazer para compensar a degradação do trabalho e a outra poderá inspirar a uma revisão das situações de trabalho e, daí, uma promoção de lazer de melhor qualidade.
Aliado a estes conflitos, cada vez mais as novas gerações demonstram um desinteresse por certas formas de trabalho (industria, administração etc). Contentam-se com pequenos labores temporários de acordo com as necessidades do mercado. É o que acontece com um número crescente de managers que, em comparação com a geração precedente, valorizam o tempo livre, a realização pessoal. É evidente que as pesquisas econômicas não podem substituir as sociológicas: os estudos a respeito da liberação do tempo, a partir de um certo grau de desenvolvimento das forças produtivas não podem mais ser separados dos problemas de sua destinação por motivos ao mesmo tempo econômicos e sócio-culturais.
O espaço de lazer
Em seu sentido amplo a cidade foi muitas vezes estudada como um aglomerado de vocação regional, enquanto centro econômico, administrativo, militar e etc. Seu papel de centro cultural, familiar, é muito menos conhecido. Este engloba para todos os meios sociais, a totalidade de atividades de repouso, divertimento, informação desinteressada e participação voluntária na vida cultural de todo gênero e de todo nível. Sua função cultural se exprime em vasta gama de lazeres (físicos, práticos, intelectuais, artísticos, sociais) independentes do setor escolar.
Daí a necessidade de uma política de desenvolvimento cultural, para suscitar, no lazer das massas urbanas, um equilíbrio entre os valores do repouso, do divertimento e do aperfeiçoamento permanente das capacidades e dos conhecimentos, para suscitar também um equilíbrio de valores de lazer e os do trabalho, ou das obrigações familiares, sociais, cívicas e políticas.
Nesse sentido, é necessário definir os critérios deste desenvolvimento, enumerar e classificar seus agentes públicos e privados, comerciais e não comerciais: para tanto é preciso uma política ousada de reforma da legislação, dos equipamentos e dos homens. E deve compreender tanto os equipamentos públicos quanto os privados. Este novo tipo de desenvolvimento deveria conduzir não apenas ao acréscimo de equipamentos recreativos e culturais, mas também a uma revolução na estrutura da animação sócio-cultural das cidades.
O espaço de lazer deve ser integrado, enquanto espaço cultural, no conjunto da área urbana, mesmo quando tal espaço penetra em outros tipos de espaço. O espaço de lazer, tanto quanto o espaço cultural, é um espaço social onde se entabulam relações específicas entre seres, grupos, meios, classes. Espaço este que é determinado pelas características da população que o utiliza, pelo modo de vida dos diferentes meios sociais que o freqüentam. A prática do lazer deve levar os sujeitos respeitar, desenvolver as diversidades culturais destes indivíduos para escapar à uniformização, à padronização, ao tédio social.
Ele deve ser geograficamente implantado no local que melhor convém a cada caso em particular, e que deverá levar em conta não somente o movimento temporário ou permanente dos seus freqüentadores, mas também a sua necessidade para o equilíbrio humano de cidades cada vez maiores, com uma população cada vez mais rica, mais instruída, e que trabalhe cada vez menos.
O papel do lazer na sociologia esta vinculada ao aspecto social e cultura. Percebe-se hoje que o lazer é uma revolta contra a cultura repressiva, sendo vivido com cada vez menos respeito às virtudes do trabalho. E tem como conseqüência mais revolucionária a revisão radical de todos os modelos que regulavam as relações entre as sociedades e os indivíduos.
Em todos os setores da vida de lazer que se elaboram novos valores nas relações do homem com a natureza, do homem com os outros, do homem consigo mesmo, com seu corpo, seu coração, seu espírito. É como se o lazer fosse um campo privilegiado de uma verdadeira revolução ética e estática, ao mesmo tempo produto e negação da revolução científica e técnica que reina no trabalho e na organização. É preciso também esclarecer a diferença entre lazer e tempo livre. O tempo livre engloba as atividades de engajamento sócio-espiritual e sócio-político, bem como as atividades para a satisfação pessoal. Apenas as atividades orientadas com a prioridade para a expressão da pessoa, quaisquer que sejam seus condicionamentos sociais, dizem respeito ao lazer e permitem fundar com clareza um ramo especializado da sociologia: a sociologia do lazer.
Considerações finais
O turismo produz sobre a sociedade uma série de efeitos que modificam positiva ou negativamente os comportamentos sociais dos indivíduos, tanto nas comunidades, sociedades ou mercados emissores de turismo como nas comunidades, sociedades ou mercados receptores. O Turismo tem sido, por um lado, estimulador de atividades econômicas e de desenvolvimento. Por outro, no entanto, tem seguido percursos similares aos de qualquer outra forma ou setor de desenvolvimento econômico ou tecnológico: tem deixado à margem parcelas significativas da sociedade e, assim, não tem contribuído com a melhoria da qualidade de vida das populações. Passa a ser visto, muitas vezes, nas comunidades receptivas, como mal necessário.
A continuar assim, perderá a chance de avançar naquilo que outros setores econômicos hoje buscam fazer e perderá a chance de inclusão social de diversos povos que seguramente, preservara o seu substrato maior que é a cultura e o patrimônio cultural.
Os principais efeitos socioculturais que o turismo tem causado nas comunidades receptoras e nos mercados emissores são situações que cada vez mais tem tornado melhor a qualidade de vida tanto física quanto mental dos indivíduos que buscam conhecer outras culturas e sociedade diferente. Esta necessidade de conhecer o diferente tem proporcionado um enriquecimento cultural capaz não só de gerar um descanso físico e mental para o visitante como também tem permitido gerar para os locais receptores uma atividade socioeconômica que traduz na criação de novos postos de trabalho para a população
O Turismo, bem sabemos, gera modificações sociais, culturais e econômicas na região em que se desenvolve, ainda assim, ele deve ser percebido como necessário e como tal deve ser debatido e implantado sob circunstâncias que não permitam um choque muito "traumático" na região.
Ainda assim, este artigo procurou demonstrar a necessidade de um diálogo entre aqueles que querem produzir as situações que geram um fluxo de Turismo e lazer e aqueles que se preocupam com os impactos desse fluxo.
Referências
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