INTERNET, SAÚDE E RELIGIÃO: UMA NOVA ABORDAGEM
Universidade Federal de Santa Catarina- Brasil
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós Graduação em Antropologia Social
Mestranda: Suzana R. Coutinho Bornholdt
E-mail: sucoutinho@hotmail.com
Minha proposta para este Plano de Abordagem é unir três temas aparentemente muito distintos dentro do campo antropológico: Internet, Saúde e Religião. À primeira vista, pode-se perguntar "como" e "porque" juntar essas três temáticas, considerando sua diferenciação teórica e seu campo de atuação. E de fato o são. O desafio está em pensar estas três temáticas como complementares, “conversando” entre si, interagindo e reforçando seus campos de atuação. Para isso, torna-se necessário construir um olhar cuidadoso, reconhecendo ainda certa fragilidade e falta de legitimidade principalmente do campo cyberantropológico, que dirá do cruzamento entre estas três temáticas.
Para se pensar Internet, saúde e religião em termos “práticos”, é preciso considerar a saúde não apenas como uma expressão física de um bem estar ou falta dela. Passo a considerar o termo saúde, especificamente para este trabalho, como vinculada e diretamente relacionada à saúde espiritual dos indivíduos. O bem estar espiritual passa a ser visto como resultado de uma busca de relação e aproximação direta com a divindade. A busca de saúde espiritual passa a ser vista como uma analogia feita com a busca de saúde física. A especificidade deste trabalho reside na possibilidade dos indivíduos buscarem (e muitas vezes encontrarem, conforme veremos ao longo do texto) esta saúde espiritual na Internet. Logo, é inevitável não transformar o campo da Internet não apenas como espaço de sociabilidade [1] , mas agora também como espaço de expressão da fé e cura. Ao longo deste trabalho, me detive principalmente na forma como o aspecto virtual serviu de oportunidade ao auxílio espiritual e as especificidades criadas em torno desta relação, enxergando neste espiritual o aspecto “saúde”, refletido não apenas no espiritual, mas também no físico dos indivíduos.
No sentido de oferecer uma sustentação teórica para esta argumentação, vou dividir minha explicação em cinco partes: a Internet enquanto espaço de pesquisa antropológica, a religião apresentada em um espaço virtual e a busca de saúde expressa também no campo virtual. Em seguida, através de um exemplo etnográfico, vou tentar mostrar como este cruzamento entre as três áreas de conhecimento é possível, e como a saúde e a religião podem ser expressas na Internet. Por último, me lançarei nesta “difícil tarefa” de levantar questões resultantes da breve análise de campo.
A discussão a respeito do reconhecimento da Internet enquanto espaço antropológico “clássico” (pensando nos termos Malinowskianos), apesar de já muito debatida, considero-a ainda muito frágil, e sua legitimidade ainda é bastante discutida no meio antropológico. Ainda que de forma breve, acredito ser necessário expressar neste texto algumas colocações a respeito do campo cyberantropológico. Atualmente a Internet já pode ser considerada como um espaço não apenas de comunicação, mas de oferecimento de suporte simbólico que abarca várias atividades de caráter societário e que “é palco de práticas e representações de diferentes grupos que o habitam” (Guimarães: 1998). Partindo destas considerações, o termo “Ciberespaço” pode ser definido como “o locus virtual criado pela conjunção das diferentes tecnologias de comunicação e telemática, em especial, mas não exclusivamente, as mediadas por computador" (Guimarães: 1998). Em geral, o objetivo das pesquisas no ciberespaço não é esgotar as diversas maneiras pelas quais ele pode ser utilizado, mas explorar o grande potencial de transformação e de descoberta de novos usos que este oferece. No caso deste trabalho, o olhar se volta para o aspecto da religiosidade vinculado à saúde (ou vice-versa) e a forma como, a partir da Internet, podemos encarar diversos eventos e transformações neste meio. Outra discussão relevante neste aspecto está relacionada não apenas ao ciberespaço e suas transformações, mas a pensar a Internet como um não-lugar, proposto por Marc Augé. Como conceito apresentado pelo autor para compreender o mundo contemporâneo, o espaço por excelência da “supermodernidade” é o “não lugar”: “Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, e nem como histórico definirá um não lugar" (Augé, 1994:73). Este "não lugar" é socializado e transformado em um "lugar antropológico" clássico como Augé o define, com suas relações, com seus territórios demarcados e sua ocupação por grupos de sociabilidade. É no espaço dinâmico, sem limitações de distâncias físicas, onde as denominações religiosas e os indivíduos se confundem. Este "lugar antropológico" acaba se tornando uma especificidade deste trabalho, por transformar o "espaço do sagrado" (Gouveia: 1999), o mundo religioso e seu vínculo com a saúde em um novo lugar antropológico.
Pensar a Internet como um lugar antropológico exige um certo esforço intelectual. Mais ainda, para pensar a religião na Internet.. Expressa ela está, é um fato. O desafio aqui já não é mais questionar se é possível uma religiosidade virtual nem se existe religião na Internet. Pesquisas anteriores [2] relatam com clareza este fenômeno, eliminando qualquer possibilidade de dúvida a esse respeito. Deixando de lado os possíveis questionamentos levantados a partir deste fato, o que ainda tem exigido algum esforço teórico está colocado na perspectiva de vincular a religião à saúde e, num segundo momento, como elas têm sido expressas na Internet.
Penso este assunto partindo principalmente da perspectiva de Laplantine, que ao estabelecer uma relação entre religião e saúde e entre doença e sagrado, argumenta a favor da perspectiva de colocar em evidência a doença como caso particular da desgraça social e a saúde como obtenção da salvação. O autor, ao tratar deste assunto, estabelece uma relação entre a fé, saúde e doença, sugerindo dois modelos em diferentes momentos. Num primeiro momento, a justificação pelas obras está relacionada com o aspecto da doença vista como punição e a saúde como recompensa. Neste modelo, a doença é vista como conseqüência de algo que o próprio indivíduo provocou, sendo punido por uma negligência ou por excesso, mas sempre por mau comportamento, logo, por uma falta com relação à ordem social. Neste caso são identificáveis dois aspectos. Em um aspecto, a doença é vista como uma transgressão coletiva de regras sociais, sempre exigindo uma reparação. Em outro aspecto, a doença é encarada como conseqüência do pecado coletivo e individual. A justificação pelas obras foi uma postura desenvolvida pelo pensamento cristão, e a medicina partindo desta perspectiva, trabalha de forma correlata: o indivíduo que obedece as prescrições médicas, “merece” a longevidade. Logo, neste aspecto da justificação pelas obras, a doença é vista como punição, enquanto que a saúde é vista como uma recompensa. Já num segundo momento, Laplantine relaciona fé, saúde e doença não mais partindo da perspectiva da justificação pelas obras, mas de outra perspectiva, através da justificação pela graça. Neste caso, o indivíduo não é mais responsável pelo que lhe acontece. Aqui o ressurgimento da justificação pela graça, ou seja, da predestinação (influência da perspectiva Calvinista, onde a salvação independe das obras) assume atualmente a forma genética- a ordem natural “salva ou amaldiçoa” independente de sua obediência à lei. A doença aqui vem como uma vingança gratuita, como um destino, uma fatalidade. A pessoa se considera vítima de algo que não provocou. Assim como no caso anterior, aqui também são identificáveis dois aspectos. Em um deles, a doença é atribuída à onipotência da má natureza (por exemplo, o câncer). Em outro aspecto, a doença é vista como expressão de uma relação entre indivíduo e sociedade apreendida como má. Para Laplantine, vale lembrar que essas representações são marcas de todas as culturas.
A percepção médica contemporânea dominante (...) pode ser lida como o resultado de um processo. O fato de se considerar as representações de saúde em uma perspectiva ao mesmo tempo moral e religiosa contribui para enriquecer (e também diferenciar) o que identificamos anteriormente (...) como processos etiológicos e terapêuticos combinatórios entre doença-castigo (maldição genética) e a doença-punição (transgressão da normalidade preventiva) (251).
Antes de seguir adiante rumo aos exemplos etnográficos, vale buscar em Rodrigues & Caroso a idéia de sofrimento e a representação cultural da doença na construção da pessoa. Ao pensar em identidade pensa-se em histórias de vida, trajetórias pessoais e em visões de mundo, remetendo à noção de pessoa, no sentido conferido por Mauss. Logo, a noção de pessoa sugerido pelos autores corresponde a um plano de realização da identidade, na medida que os autores utilizam várias formas de discurso para construí-la quando falam de si ou mesmo ao serem observados em diferentes situações (138). Neste sentido, as narrativas são de importância vital para o entendimento desta identidade. Ao pensar em narrativas, os interlocutores utilizam categorias como doença, cura e sofrimento para descrever sua existência como marcada pelo sofrimento, pela dor ou por outros fatores, como por exemplo relações pessoais, amorosas, situação econômicas ou afiliação religiosa. Ainda pensando em narrativas, ela pode ser vista como fora de um contexto, rompendo com um fluxo, criando condições para se falar da crise e criando mecanismos para que dentro da crise haja possibilidade de superação. A narrativa neste caso terá sempre um sentido de expressão de conflitos e de relação. Além desta perspectiva, a narrativa é vista como forma de ajudar no processo terapêutico, com sentido de persuasão, convencendo mais que a explicação lógica, e de forma muito eficaz. Ou seja, contar uma história pode ser um processo terapêutico muito eficiente. Vale lembrar, ainda de que forma breve, que é importante diferenciar narrativa de discurso. A narrativa é vista como encerrando uma experiência, um evento. E este é o grande diferencial do discurso. Já quanto à categoria de sofrimento, para os autores ela parece constituir um “significante flutuante”, abarcando contradições de significados, os quais se movimentam entre os planos mais concretos (relacionados a doenças físicas) e os mais abstratos (no sentido de cognitivos, determinando que a pessoa sofredora construa sua identidade social a partir do evento do sofrimento. Logo, o sofrimento é, ao mesmo tempo, a experiência da fragmentação ou experiência de caráter negativo, representada pela doença, mas é também o ponto de partida para a construção ou reconstrução da identidade social.
Pensando nesta possibilidade de construção ou reconstrução da identidade social, sou levada a pensar também em performance ritual, expressa no texto de Rabelo. Considerando que o ritual produz uma transformação da experiência dos participantes, Rabelo cita Fernadez [3] ao falar sobre o papel das metáforas na cultura. Rabelo explica:
As metáforas estendem a experiência informe do sujeito a domínios mais concretos e reconhecíveis. Através da atribuição de predicações metafóricas sobre si mesmos e os outros, os indivíduos procuram se situar mais favoravelmente em um determinado contexto relacional (48).
Ao explicar Fernadez, Rabelo argumenta que este autor parte da analogia entre cultura e texto, teorizando sobre as estratégias textuais das quais o ritual é capaz de orientar a atitude dos seus participantes (e aqui a narrativa entra novamente). Já baseada Kapferer [4] , Rabelo argumenta que analisar o ritual é exatamente examinar como os símbolos, significados e metáforas são manipulados em um contexto de ação. A eficácia do ritual está baseado na eficácia que o trabalho de transformação se realiza, e estudar o ritual acaba sendo muitas vezes a tentativa de compreensão de como diferentes modelos religiosos de cura são transformados em imagens e práticas que possibilitam uma ressignificação da experiência do doente. Vale lembrar que me refiro aqui à saúde e doença espiritual.
Caberiam aqui ainda outros autores e outras discussões que despertam interesse quando são pensadas questões a respeito de religião e saúde. Por agora, meu olhar se volta especificamente para o enfoque da doença como desgraça social, a saúde como obtenção da salvação e a relação da justificação pelas obras versus a justificação pela graça, proposto por Laplantine; para a questão do sofrimento e a representação cultural da doença, a forma como as narrativas descrevem o sofrimento e expressam conflitos, sugerida por Rodrigues & Caroso, e por Rabelo as questões sobre a performance ritual, como produtora de transformações da experiência, pensando na eficácia do ritual e como os modelos religiosos são transformados em imagem e prática que permite uma ressignificação da experiência do doente. Mas afinal, como podemos buscar a expressão da saúde, pensada nos termos aqui propostos, no campo virtual?
O critério de atuação desta pesquisa foi pensar estas questões a partir de um lugar específico, ao considerar a Internet como espaço antropológico. Optei por pesquisar páginas da Web [5] , evitando desta forma um canal de bate papo evangélico específico. Me desviei destes canais de bate papo pelo fato das páginas da Web assumirem de forma explícita o caráter de Igrejas Virtuais, diferentemente dos chats evangélicos, que buscam e assumem para si outras particularidades e evitando muitas vezes o rótulo de Igrejas. Como, para o momento, o objetivo não realizar um relato etnográfico, vou buscar pontuar algumas questões observadas e mostrar como a saúde é vista no meio virtual.
A religião na Internet, muito mais que um ambiente de sociabilidade, busca para si uma identidade diferenciada através da busca de seu objetivo com o uso de ferramentas virtuais. Pelo simples fato de se preocuparem em colocar nas Home Pages o seu "objetivo", isto já expressa uma preocupação diferenciada de outros sites. Não apenas proporcionar novas amizades, mas eu ousaria dizer que em sua grande maioria o objetivo dos sites religiosos ou das Igrejas Virtuais gira em torno da preocupação de evangelização, de pregar o evangelho de Jesus Cristo. De acordo com minhas observações, pude dividir os sites religiosos em duas categorias: um, apenas como um ambiente de sociabilidade religiosa; outro, como uma igreja virtual "institucionalizada".
O primeiro exemplo [6] é menos comum de ser encontrado na rede. Apesar de se autodenominarem como Igreja Virtual, eu os caracterizei como um grupo de sociabilidade pelo fato de não possuírem uma liderança institucionalizada, um Pastor. O que ocorre neste ambiente é o caso do responsável técnico ser o responsável pelo aspecto virtual, não do grupo, mas de um discurso explícito na Home Page. O líder é o "proprietário" do site, criado e mantido pela pessoa. Este tipo de ambiente foi categorizado apenas como ambiente de sociabilidade por possuir uma diferenciação essencial em relação ao segundo caso: as pessoas freqüentadoras e usuárias desta página, fora da Internet, não formam um grupo institucionalizado. Por outro lado, formam um grupo muito coeso dentro da Internet, sendo expressa através de encontros reais, troca de e-mails, recados, endereço, entre outras informações pessoais. Essas informações suscitam muitos aspectos a serem pensados, mas no momento quero me deter (e isso me exige um certo esforço) na busca do aspecto saúde X religião dentro destes ambientes virtuais. No site escolhido como exemplo neste primeiro quadro, a comunicação primordial é dada através de e-mails entre o grupo (uma espécie de lista de discussão), e as mensagens trocadas entre os usuários ficam registradas nos arquivos que podem ser encontrados na própria Home Page. Os serviços de chats ficam restritos aos usuários que tenham acesso àquele tipo de serviço. Enquanto site religioso, tem como principal propósito "PREGAR A PALAVRA, GANHAR ALMAS E FAZER DISCIPULOS". A pregação da palavra é dada através de arquivos de textos evangelísticos enviados pelos próprios participantes, podendo ser consultado de acordo com a necessidade de cada um. Os temas giram em torno principalmente do relacionamento direto do indivíduo com Deus, propondo uma "caminhada conjunta" com Deus no seu dia a dia. Assim como em outros sites evangélicos, possuem um espaço para "pedidos de oração", onde registram suas necessidades. Este site, especificamente, possui uma característica que facilita muito a observação: os pedidos de oração realizados pelas pessoas ficam registrados na página, de maneira que todos possam ler e ter acesso. Aqui, a saúde e a fé são expressas de uma forma observável, estando intimamente interligadas. Segue abaixo dois pedidos registrados no site:
AMADOS IRMÃOS
OREM PELA MARCIA, POIS ESTEVE POR PROCESSO DIFICIL, TEVE UM ABORTO, ORE POR ELA PARA QUE POSSA SE CONVERTER..ACEITAR A JESUS COMO SENHOR E SALVADOR.
Ou então:
OREM PELA VIDA DA MÃE DA JENNY ABECIA QUE ESTA INTERNADA NA UTI ... OBRIGADO.
Vemos aqui duas situações interligadas. No segundo caso, um pedido de oração "puro e simples" relacionado à saúde de uma pessoa. O primeiro, por sua vez, pede oração não somente pela restauração física da pessoa, mas também pela sua conversão, pela sua salvação. Os momentos difíceis são encarados pelos evangelizadores como momentos oportunos de pregação da palavra de Deus, já que estão "abertos" e mais sensíveis. A relação saúde versus religião aqui expressa se dá nos termos pensados por Laplantine, onde a doença (ou o sofrimento) é encarado como desgraça, e a saúde como obtenção da salvação, da vitória. Estão relacionados, e por isso a salvação é vista como grande "trunfo" nas mãos dos evangelizadores virtuais, pelo fato de não oferecerem apenas algo que eu diria "virtual" - a salvação. Oferecem muito mais, oferecem saúde, oferecem vida. Não apenas "vida eterna", mas também vida física, bem estar e saúde do corpo aqui na Terra.
A segunda categoria dos sites religiosos aqui propostos são as igrejas virtuais institucionalizadas. Diferentemente da primeira, esta é resultado de uma institucionalização "real". Explico. Pode-se pensar que o cristianismo, assim como outras religiões, se utiliza de argumentos (espiritualizados ou não) para justificar sua expansão e crescimento. No caso do cristianismo, um argumento muito forte a ser considerado é a base bíblica usada por um grupo para justificar essa orientação. A ordem explícita de Jesus Cristo a todos os seus discípulos para que sejam suas testemunhas "... tanto em Jerusalém, como em toda Judéia e Samaria e até os confins da terra (livro de Atos, capítulo 1, versículo 8) estabelece para o cristianismo uma visão muito ampliada do seu campo de atuação e responsabilidade, visando a expansão do "Reino de Deus" aqui na terra. Resultado deste pensamento, as igrejas que aqui chamo de "institucionalizadas" tomam para si, em função deste quadro, uma responsabilidade muito grande de evangelização. E o fazem através do envio de missionários (tanto para Brasil como para o exterior), através de trabalhos sociais, visitação nas casas (geralmente nas proximidades do local de culto), hospitais, entre outros. A reconfiguração do campo religioso em função de aspectos virtuais aqui se mostra quando a igreja institucionalizada vê na Internet um novo campo e uma nova possibilidade de atuação evangelística e possibilidade do ganho de "novas almas". E é o caso deste segundo exemplo que aqui me proponho trabalhar [7] . Uma igreja institucionalizada, com sede própria, de "carne e osso" (parafraseando as linguagens do senso comum), com suas áreas de atuação no mundo real, encarando a Internet como uma possível possibilidade de atuação do campo missionário. Sua especificidade está, diferentemente do primeiro caso, em ter um líder, um pastor, uma pessoa responsável pelo aspecto espiritual. Não é apenas uma Igreja Virtual, mas sim a Igreja "Assembléia de Deus em Cidade Nova" no Rio de Janeiro que possui um trabalho de evangelização na Internet, fazendo dela uma extensão do seu trabalho off-line. O resultado final não é muito diferente do site anterior, pelo fato de possuir os mesmos campos temáticos. Apenas ressalto duas características que tornam este exemplo muito peculiar. A primeira "novidade" é o fato desta Igreja Virtual possuir um Pastor Virtual. Nada mais óbvio, pode-se pensar num primeiro momento: uma igreja, ainda que virtual, possuir um pastor, ainda que também virtual. Mas se considerarmos que a maioria destes ambientes, apesar de possuir um líder espiritual, não o vinculam a um nome específico (normalmente o fazem por apelidos) nem a uma imagem nem foto, muito menos a um número de telefone específico. No caso deste segundo exemplo, há um Pastor Virtual, no qual temos acesso ao seu nome, sobrenome, informações pessoais (sua formação, por exemplo) e telefone para contato. Isto chama a atenção pelo fato da Internet, mesmo nos casos de auxílio espiritual, ser e construir uma imagem muito impessoal e "despersonalizada", seja dos participantes ou seja do líder. Neste caso, o usuário é convidado a, em casos de necessidade, entrar em contato com o pastor e a conhecer os trabalhos da Igreja. Outro fator que chamou a atenção e cabe muito bem para esta discussão da saúde e religião, é o de relacionar como fator condicional a fé ao bem estar. Vejamos o texto, convidando os Internautas a participar dos encontros de oração:
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Causa na Justiça, Obra de feitiçaria, Vícios (álcool, drogas,
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sede)
Penso nas palavras de Rodrigues & Caroso, argumentando que o sofrimento é, ao mesmo tempo, a experiência da fragmentação ou experiência de caráter negativo, representada pela doença, mas é também o ponto de partida para a construção ou reconstrução da identidade social. Desta forma, acaba sendo construído um discurso de identificação entre as pessoas, não apenas em função do sofrimento e das necessidades buscadas neste tipo de ambiente, mas também o discurso que a Internet promove em torno da saúde e da religião, identificando-as.
Fazer análises a respeito desta discussão ainda é muito cedo. A metodologia de trabalho, por exemplo, ainda é frágil e exige um maior aperfeiçoamento. Por agora, a análise se concentrou no discurso já expresso e registrado no site. Penso que, no intuito de tornar esta proposta mais completa, posteriormente seja necessário buscar dar voz ao próprio usuário ao longo do texto, estabelecendo uma relação direta com as pessoas que buscam saúde na Internet. Acredito, sim, ser possível levantar questões para, com certeza mais adiante, prosseguir e aprofundar as pesquisas a respeito desta interessante relação entre Internet, saúde e religião. Considerar a saúde e a religião sendo expressas no campo virtual é uma tarefa delicada e ainda exige maiores análises. Muito mais árduo, porém, é identificar, nos discursos e nas narrativas onde as saúde e a doença está representada, e a forma como são expressas. O desafio está lançado!
BIBLIOGRAFIA:
Augé, Marc. "Não Lugares: Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade". Campinas, SP: Papirus, 1994.
Cardoso, C.A. & Rodrigues, N. "Idéia de 'sofrimento' e Representação Cultural da Doença na Construção da Pessoa". In: Duarte e Leal (orgs.). "Doença, Sofriemento, Perturbação: Perspectivas Etnográficas". Rio de Janeiro, RJ: Ed. Fiocruz, 1993.
Gouveia, Eliane H. "Comunidades Eletrônicas de Consolo". Revista da Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul. Porto Alegre, RS, ano 1, vl.1, 1999.
Guimarães, Mário José L. “O ciberespaço como Cenário para as Ciências Sociais”. Trabalho apresentado no Grupo Temático “A sociedade da informação e a transformação da sociologia”, do IX Congresso Brasileiro de Sociologia.
Helman, C. "Cultura, Saúde e Doença". Artes Médicas, Porto Alegre, 1994.
Laplantine, F. "Antropologia da Doença". Vozes, 1991.
Rabelo, M.C. "Religião, Ritual e Cura". In: Alves e Minayo (orgs.) "Saúde e Doença: Um Olhar Antropológico". Rio de Janeiro, RJ: Ed. Fiocruz, 1993.
[1] Vide, por exemplo, Guimarães, M.J.L. "Vivendo no Palace: Etnografia de um ambiente de sociabilidade no Ciberespaço". Dissertação de mestrado em Antropologia Social- PPGAS, UFSC, 2000.
[2] Vide, por exemplo, Coutinho, S.R. "Jesus On Line: Comunidades Religiosas e Conflitos na rede", Florianópolis, UFSC, 2000. E também Gouveia, E.H. "Comunidades Eletrônicas de Consolo", Revista da Associação Brasileira de Cientistas Sociais do Mercosul, ano 1, n.º 1, 1999, entre outros.
[3] Fernadez, James, 1986. Persuasions and Performances: the play of tropes in culture. Bloomington, Indiana University Press.
[4] Kapferer, B. 1979. Introduction: Ritual Process and the transformation of context. Social Analysis, 1:3-19.
[5] A seleção dos sites se deu através do site de busca Google (www.google.com.br), onde realizei as buscas através dos termos "Igrejas Virtuais".
[7] Para consulta, vide: http://www.brasil.terravista.pt/albufeira/1712/index.html
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