La gestión del turismo y sus problemáticas desde visiones sociales
La gestión del turismo y sus problemáticas desde visiones sociales
Rendas e Rendeiras da Lagoa da Conceição em Florianópolis - Artesanato como principal elemento do Patrimônio Cultural.
Profa. Elis Regina Barbosa Angelo
Mestranda em Turismo pelo UNIBERO-SP.
Professora e Diretora da Faculdade de Turismo da Universidade de Santo
Amaro - SP.
E-mail: eangelo@unisa.br
RESUMO
A idéia de estudar a Lagoa da Conceição
em Florianópolis, visualizando o turismo, o artesanato e a identidade
cultural, decorreu primeiramente da constatação da relativa
negligência da sociedade em relação à preservação
do patrimônio imaterial constituído entre outros, pelas rendas
de bilros produzidas pelas mulheres daquela localidade.
A carência de estudos sobre as inter-relações do turismo
com a preservação do patrimônio cultural em geral-
e, mais especificamente, em Florianópolis- determinaram a necessidade
de explorar a cultura açoriana presente na Lagoa da Conceição,
e seus elementos étnicos que permitem abordar de maneira substancial
as rendas de bilros. A busca pelo equilíbrio entre a atividade
turística e a preservação da identidade local propiciaram
a formulação de questionamentos acerca da etnologia das
rendeiras.
O trabalho artesanal da produção de rendas de bilros calcado
na descendência açoriana, foi escolhido como objeto de estudo
para a discussão sobre o destino das características do
produto, devido às prováveis mudanças oriundas da
apropriação pela atividade turística.
PALAVRAS-CHAVE:
Turismo; Preservação do Patrimônio Cultural; Identidade
Cultural ; Artesanato.
INTRODUÇÃO
Esse artigo trata de uma experiência obtida através
de uma pesquisa etnológica realizada com as rendeiras da Lagoa
da Conceição em Florianópolis.
O intuito dessa pesquisa foi analisar o modo de vida das rendeiras, suas
condições sócio-econômicas e culturais , o
produto gerado pelo trabalho artístico-artesanal, as técnicas
utilizadas na confecção das rendas de bilro, o tempo disponibilizado
para dedicação ao trabalho, as relações do
turismo com as rendas, a descendência das rendeiras , o local onde
são elaboradas, o interesse na perpetuação do trabalho
e , principalmente os aspetos que levam ou não as rendeiras a descaracterizarem
o seu trabalho pelos interesses dos turistas.
A relação das rendeiras com o artesanato , o turismo e a
formação do patrimônio cultural do local estabeleceu-se
através do estudo aprofundado com as rendeiras que habitam ou comercializam
seus produtos na Avenida das Rendeiras na Lagoa da Conceição.
O recorte efetuado na pesquisa elaborada com as rendeiras mais tradicionais
e conhecidas do local, propiciou questionamentos acerca da dinâmica
cultural inserida e inter-relacionada com o desenvolvimento da atividade
turística , formulando elementos para análise dos impactos
sócio-econômicos e culturais sentidos pelas rendeiras na
sua vida pessoal e profissional.
Após o estudo elaborado da pesquisa e uma série de referências
bibliográficas a respeito das rendas de bilro, foram estipulados
alguns questionamentos sobre as interferências do desenvolvimento
turístico na confecção do trabalho; a formação
do patrimônio imaterial através da preservação
do artesanato ; e , a dinâmica cultural como principal elemento
na preservação do patrimônio cultural.
AS ORIGENS DAS RENDEIRAS DA LAGOA DA CONCEIÇÃO
Ao falar sobre as origens das rendeiras da Lagoa da Conceição,
será relembrado um pouco da história dos açorianos.
As ilhas açorianas foram descobertas no século XV pelos
portugueses. Na época , os lentos meios de transportes e embarcações
aos poucos foram se tornando motivos de descontentamento dos moradores
das ilhas. Além destes , a distribuição bastante
desigual de bens propiciou diferenças sócio-econômicas
que prejudicaram muitos açorianos.
O maior interesse dos moradores das ilhas era possuir um pedaço
de terra e cultivar seu próprio meio de subsistência. O governador
não incentivava a abertura de qualquer tipo de manufatura.
Com isso, nas épocas de crise da agricultura, a emigração
era a única saída para a conquista de novos rumos e principalmente
trabalho e melhores condições de vida.
Há controvérsias na literatura açoriana sobre a emigração
de sua população. Alguns argumentos que motivaram a saída
dos Açores , como a ordem econômica, o solo vulcânico,
o crescimento demográfico, entre outros, apenas refletiam nas crises
de alimentação perpetuadas no século XVI.
A necessidade de povoar o sul do Brasil e a necessidade constante dos
açorianos em emigrar para outras localidades fez com que houvesse
interesse da autoridade portuguesa em trazer para o Brasil os açorianos.
" Uma provisão Régia, de 08 de agosto de 1746, anunciava:
El Rei Nosso Senhor atendendo às representações dos
moradores das Ilhas dos Açores , que lhe têm pedido, mande
tirar d` elas o número de casais, que for servido, e transportá-los
à América , donde resultará às ditas Ilhas
grande alívio em não padecer os seus moradores reduzidos
aos males , que traz consigo a indigência em que vivem, e ao Brasil
um grande benefício em fornecer de cultores alguma parte dos vastos
domínios do dito Estado: foi servido fazer mercê aos Casais
das ditas Ilhas que se quiserem estabelecer no Brasil de lhes facilitar
o transporte, e estabelecendo, mandando transportar às custas de
sua Real Fazenda não só por mar mas também por terra
até aos sítios, que lhe destinarem para as suas habitações
".
Na Lagoa da Conceição as rendeiras orgulham-se de suas raízes
açorianas e, nos dias 20,21 e 22 de fevereiro , movimentam Florianópolis
na comemoração da colonização açoriana.
Sobre as comemorações Flores ( 2000, p. 73) tem algumas
considerações:
" Pelos vários discursos proferidos, podemos afirmar que houve,
na comemoração do bicentenário, um fenômeno
de criação de memória . Aquele acontecimento de 200
anos atrás, do povoamento da Ilha de Santa Catarina pelos imigrantes
açorianos, não tinha sido, até aquele momento, tema
importante dos historiadores. A história da saga açoriana
em meados do século XVIII ainda não havia sido escrita".
Flores ( 2000, p.77) referencia, através da homogeneização
cultural luso-brasileira , a fixação da identidade cultural
em Santa Catarina :
" Mas uma identidade catarinense era algo difícil de ser desenhada.
O estado comportava uma multiplicidade de culturas étnicas. Apesar
do esforço de amalgamar a diversidade cultural numa única
- luso-brasileira- os outros povos, bem ou mal , não abandonaram
completamente suas tradições".
Houve em Florianópolis uma revolução nos costumes
e hábitos , revelando uma feição portuguesa e ilhoa.
A maneira de falar, cantar e andar foi se tornando cada vez mais açoriana.
As mulheres açorianas presenteavam a nova ilha com seus hábitos
e costumes, fixando sua identidade. Habilidades e muita dedicação
ao trabalho artístico como a tecelagem e a fiação
dos panos de algodão e linho e nas artes dos bordados, especialmente
as rendas de bilro que, até os dias de hoje são preservadas
na identidade cultural açoriana são pontos cruciais na formação
e fixação da cultura luso-brasileira no local.
Lima ( 1996, p. 97) destaca algumas colocações a respeito
das rendas confeccionadas nos Açores:
" Terras de marinheiros e pescadores, diz a sabedoria popular, são
terras de rendas e de outras artes afins. Por maioria de razões
o arquipélago açoriano é terra propícia a
que estas artes de agulha proliferam, pelo que não se estranha
que, em todas as Ilhas, se encontrem artesãos dedicados a esta
actividade"."...As várias excepçoes desta verdadeira
arte de agulha, ( Onde se incluem as rendas de bilros que, por vezes chegam
a utilizar simultaneamente centenas das peças que lhe dão
nome) produzem artefactos de beleza ímpar, demonstrativos da inequívoca
aptidão e gosto dos açorianos por todos os artefactos onde
pontifique o trabalho das mãos".
A origem da renda de bilros ainda é muito discutida entre os estudiosos
sobre o assunto. Émile Bayard ( 1924, p. 54) cita que a origem
da renda de bilros surgiu na mais alta antiguidade, como testemunharia
o desenho de um vaso grego onde se vê uma mulher cruzar fios que
são distendidos sem dúvida por pesos de chumbo.
E. Lefébure ( 1887, p.225) refere-se à origem da renda de
bilros considerando como referência mais antiga , um documento de
partilha, feito em Milão, por duas irmãs, em 1493.
Segundo Ramos ( 1948, p.20), há um documento conservado na Biblioteca
Real de Munique , que aborda a introdução da renda de bilros
na Alemanha no ano de 1536 por negociantes provenientes da Itália
e de Veneza.
Indiferente das origens reais das rendas de bilros, este trabalho ater-se-á
às relações luso-brasileiras e sobre a identidade
dos açorianos e seus descendentes assentados no Brasil e especialmente
na Lagoa da Conceição em Florianópolis.
Sobre a relação dos açorianos com a arte popular
e o artesanato, será focalizada a teoria da combinação
artística que as rendas de bilros formaram na Lagoa da Conceição
e qual o papel deste tipo de trabalho manual na construção
do patrimônio do local.
"O artesanato, antes de tudo, é o testemunho insofismável
do complexo homem-natureza, e é por meio da cultura material que
o domínio da técnica e do tipo de objeto estarão
dizendo o espaço da feitura, ora pelos aspectos físicos,
ora pela própria ideologia da cultura" .
Lody (1999, p.5) defende a idéia de que o artesanato é parte
integrante do patrimônio cultural, parte que se evidencia nos elementos
básicos da vida diária, na forma de um utensílio
de cozinha, por exemplo. Um implemento agrícola , uma vara de pesca,
os móveis da casa, brinquedos, ornamentos, tudo isso vem acompanhado
de uma carga de conhecimentos que foi aceita e incorporada pela comunidade.
É ainda, uma forma de resistência, uma forma de preservar
a identidade.
AS RENDAS E RENDEIRAS DA LAGOA DA CONCEIÇÃO
As rendas de bilros foram desenvolvidas como produto utilizado
em casa pelas rendeiras, as mesmas faziam seu trabalho para enxovais,
trocavam os pontos entre elas, utilizavam este tipo de tarefa como "hobbie"
e, aos poucos foram sendo introduzidas como produto para venda.
Em meados dos anos 70, a atividade turística começou a se
desenvolver no local, transformando as rendas em produto "característico"
da Lagoa .
A Lagoa aos olhos dos turistas, passou a ser um lugar para passeios, compras
de artigos artístico-artesanais e , muito procurada pela gastronomia
a base de frutos do mar.
A demanda turística motivada pelos atrativos naturais e pelos elementos
intangíveis da cultura açoriana, ou seja, ao modo de vida,
hábitos, costumes, técnicas de trabalho, confecção
de rendas de pesca, rendas de bilros, e suas festas , folguedos e religiosidade,
pode ser avaliada a partir dos números referenciados nas estatísticas
turísticas.
Algumas festas populares como a farra do boi, boi de mamão, entre
outras, podem ser consideradas manifestações culturais da
vida ilhéu , onde grande parte destas manifestações
estão ligadas à influência açoriana.
O turismo apropriou-se dos atrativos naturais e da identidade local para
desenvolver-se nas ultimas décadas. Alguns autores como Diegues
(1998,p.235), demonstram claramente esta idéia:
" Nos anos 70 intensificou-se o turismo na ilha que culminou, dos
anos 80 em diante na implantação de demasiados projetos
turísticos de padrão internacional. Muitos hotéis
foram construídos em áreas de dunas ou praias de pescadores,
descaracterizando o meio ambiente e contribuindo para a desorganização
social dos pescadores artesanais, muitos dos quais transformaram-se em
caseiros. Os próprios moradores têm dificuldades para chegar
a algumas praias transformadas em condomínios de veranistas ou
numa verdadeira selva de cimento armado".
A reflexão sobre os impactos sócio-econômicos , ambientais
e culturais demonstraram o lado negativo do turismo com a comunidade local,
porém, é expresso de forma unilateral.
Nas percepções averiguadas através da pesquisa de
campo, os moradores locais foram também beneficiados com o desenvolvimento
da atividade turística. A atividade proporcionou à comunidade
empregos fixos e temporários, desenvolvimento do trabalho artístico-artesanal
com a mão-de-obra feminina, aumento das atividades pesqueiras,
transformação de recursos na infra-estrutura , entre outros.
A renda de bilros , principal enfoque deste trabalho será abordada
de maneira a demonstrar as técnicas, instrumentos , fios, local
utilizado e o produto final. Serão questionados por meio da pesquisa
de campo e também pela visualização do material fotográfico
a estrutura de formação das rendas de bilros .
Antes de analisar tais elementos, será abordado um pouco das raízes
das rendas de bilro para melhor compreensão do assunto.
A referência histórica mais antiga que se conhece , às
rendas de bilros está num documento de partilha , feita em Milão,
de duas irmãs, em 1493, onde se fala no italiano da época,
em "una binda lavorata a poncto de doii fuxi per uno lenzolo",
" uma faixa trabalhada a ponto de doze bilros para bordar um lençol"
Segundo Ramos ( 1948, p.20 ) , há um documento conservado na Biblioteca
Real de Munique, sobre o aparecimento da renda de bilros na Alemanha em
1536, trazidas por negociantes provenientes da Itália e especialmente
da região de Veneza.
Indiferente das reais origens das rendas de bilros, este artigo ater-se-á
às relações luso-brasileiras e especialmente às
relações existentes na atualidade da comunidade que vive
na Lagoa da Conceição em Florianópolis, ressaltando
as relações das rendas, rendeiras, identidade cultural,
preservação do patrimônio cultural e o desenvolvimento
do turismo como principal movimento de interação sócio-econômico
e cultural .
As rendas de bilro são trabalhos artístico-artesanais desenvolvidos
em almofadas, utilizando o pique ou papelão, agulhas e os bilros
propriamente dito. O trabalho é feito com um desenho no pique,
delineado com agulhas e entrelaçando-se os fios(linhas) com os
bilros os desenhos vão sendo desenvolvidos transformando-se em
desenhos inseridos em toalhas, colchas, blusas, e outros produtos.(Ver
anexos).
Segundo pesquisadores das rendas de bilros, os "apetrechos "
utilizados para o desenvolvimento do trabalho são definidos de
acordo com os locais onde há este tipo de confecção.
A almofada brasileira é o resultado de uma adaptação
direta da português. É um cilindro de pano forte arrepanhado
nas duas extremidades, do mesmo modo já descrito para a almofada
de Portugal. Este pano é de aniagem, estopa, ou outro tecido ordinário.
Sobre este primeiro pano grosseiro, vem outro mais delicado, que envolve
toda a almofada e que pode ser removido para lavar. O enchimento é
de folhas secas bem desfiadas de bananeira, de capim, de algodão,
etc. O tamanho da almofada varia de acordo com o tipo e a largura das
rendas. As medidas mais freqüentes são de 45 centímetros
de comprimento por 27 de largura e 21 de altura, mas há rendeiras
que possuem três ou mais almofadas para diferentes rendas que comportam
de poucos à 12 dúzias ou mais de bilros.
Os bilros variam de forma, de material de fabricação e de
tamanho. O número de bilros varia de acordo com a largura das rendas.
O pique é o papelão onde está o desenho padrão
que guia os pontos da renda no seu seguimento.
Os fios utilizados em Santa Catarina são comumente os de seda e
de algodão. As cores são normalmente a branca, creme e cru.
Os alfinetes são utilizados para fixar os pontos da renda no pique,
são de material inoxidável e alguns utilizam os alfinetes
coloridos para realçar a renda no pique .
As rendas elaboradas na Lagoa da Conceição possuem pontos
característicos, como tramóia, perna cheia, abacaxi, margarida,
entre outros. Alguns poderão ser visualizados nos anexos, bem como
os instrumentos utuilizados.
Relatos de Dona Norma, uma das rendeiras, inclusive a mais orgulhosa de
seu trabalho , favoreceu reflexões sobre o turismo como revivador
dos aspectos culturais.
" O turismo traz pessoa de todo lugar pra compra renda, pra ir à
praia, comer nos restaurantes, fica nas pousadas, e também motivam
o trabalho da rendeira. Todos demonstram interesse nas rendas de bilro".
A rendeira relata que os turistas em seus passeios procuram a observação
"in loco" da técnica manual do artesanato, pois se interessam
pela atividade, indiferente de comprarem ou não o produto. Ao mesmo
tempo que se interessam em visualizar o trabalho das rendeiras, não
querem " gastar muito " comprando os artigos desenvolvidos.
Um ponto curioso observado na pesquisa é a falta de diversificação
de rendas. Quase todas as rendeiras desenvolvem o mesmo trabalho, com
algumas diferenças. As toalhas são na maioria das vezes
das mesmas cores, com os mesmos pontos e de mesmo valor. As rendeiras
mais antigas desenvolvem rendas que na maioria das vezes não possuem
utilidade nos dias atuais. Afinal, quem utiliza renda para bandejas? Ou
melhor , quem utiliza bandejas?
Há aproximadamente vinte anos as rendas eram elaboradas para objetos
e móveis específicos como mesas, bandejas, cama, etc.
Na atualidade qual a real utilização das rendas? Talvez
esta não seja uma resposta simples ou as rendeiras não estão
pensando nisso como utilidade e sim como ornamento estabelecido pela estética
.
Os questionamentos acerca da descaracterização ou não
das rendas de bilro com o desenvolvimento da atividade turística
podem ser observados pelo próprio desenvolvimento das rendas, indifere
do material ou da criação desenvolvida no trabalho das rendeiras
não deve em hipótese alguma ser relacionado à descaracterização
do produto pois, a dinâmica dos estilos de vida hoje apresentados
com os modismos de decoração de interiores, impossibilitam
muitas vezes a utilização de tais produtos.
A adaptação das rendas de bilro em artigos atualmente utilizados
como aplicação de rendas de bilro em vestidos, calças,
saias, meias e demais artigos de uso pessoal até o momento não
foi difundido por todas as rendeiras.
Algumas rendeiras mais jovens já demonstram a preocupação
em desenvolver artigos diferenciados, pois não acreditam que a
renda e sua identidade cultural sofram a descaracterização
e sim sejam com isso valorizadas.
A dinâmica cultural neste sentido deve ser discutida para que a
perpetuação do trabalho manual sendo mantido nos antigos
padrões, talvez tenham problemas com a continuidade do trabalho
na atual circunstância .
O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO NA LAGOA DA CONCEIÇÃO E AS INTERFERÊNCIAS NO ARTESANATO
Sobre o desenvolvimento da atividade turística ,
Florianópolis vem demonstrando notável desenvolvimento desde
o início dos anos oitenta. A atratividade dos elementos naturais
e culturais culminou no atual aperfeiçoamento do local no que tange
ao desenvolvimento do potencial turístico.
Com suas ilhas, praias, sol, elementos culturais advindos dos descendentes
de portugueses, italianos, alemães, negros e índios, acobertados
pela diversidade de atrativos no estado de Santa Catarina, proporcionou
a preocupação dos dirigentes do estado em fixar parte de
seus esforços no aprimoramento do turismo.
A cidade de Florianópolis transformou seus recursos em atrativos
para a captação do turismo interno e externo, que demonstra
números bastante significativos para o desenvolvimento econômico
do local.
Grando (2000, p.123), demonstrou seus esforços como prefeito de
Florianópolis e sua participação no desenvolvimento
do turismo, criando um programa popular para ampliar o potencial turístico
mediante a ajuda da população e demais empresas privadas."
O programa popular para o turismo, pode ser resumido em 5 linhas gerais:
a) A ampliação da chamada Alta Estação Turística
em pelo manos 10 dias; b) O rompimento com a sazonalidade do turismo,
através do tratamento profissional do turismo de negócios;
c) A ampliação do fluxo turístico doméstico,
como forma de garantir um mercado estável; d) Resgatar os valores
culturais e ambientais; e) Instituir uma gestão participativa".
Segundo estatísticas avaliadas por Grando , houve um gradativo
aumento da demanda com a política adotada. Os números que
comprovam esta afirmação podem ser assim referenciados:
" 1. Aumento contínuo da demanda no mercado nacional(turistas
brasileiros):
1994 ___________________________170.679 turistas
1995____________________________172.623 turistas
1996_____________________________215.935 turistas
1. Receita estimada em Dólares (turistas brasileiros)
1994_________________________US$56.303.396,00
1995_________________________US$61.862.861,51
1996_________________________US$74.220.255,14
2. Crescimento do Turismo de Negócios em relação
ao veranismo
1994_________________________5,91%
1995_________________________7,42%
1996________________________11,80%".
Além dos esforços despendidos pela prefeitura
nos anos de 1993 a 1996, outras medidas foram tomadas para ampliar o desenvolvimento
do turismo na cidade e também no estado.
A Lagoa da Conceição apresentou significativas mudanças
dos anos setenta até os dias atuais. Tais mudanças podem
ser demonstradas nas colocações que se seguem:
" Durante a década de setenta, somente a população
da Lagoa da Conceição cresceu, em termos percentuais, mais
do que a população de Florianópolis, em seu conjunto.
Contudo, na década de oitenta, todos os três distritos tiveram
incrementos populacionais superiores ao total. A comparação
entre 1970 e 1991 deixa esse fato ainda mais nítido: se na Lagoa
da Conceição, em Ingleses e em Canasvieiras as populações
mais do que dobraram, em Florianópolis esse crescimento foi da
ordem de 84,61%. Portanto, há no período assinalado um fluxo
migratório para esses locais, outrora praticamente inacessíveis"
.
As mudanças ocorridas em Florianópolis demonstram a aptidão
turística de algumas localidades abarcando seus aspectos ambientais
e culturais, porém, tais fatos têm sido prejudicados por
alguns problemas estruturais.
Ao ser analisados os aspectos turísticos da Lagoa da Conceição,
alguns fatos são importantes a serem refletidos. As questões
de desemprego, sazonalidade, sustentabilidade turística, onde se
insere a preservação ambiental e cultural entre outras ,
são acometidas pela gestão dos impactos.
Ouriques, (1998, p. 95) faz algumas colocações a esse respeito:
" Apenas o setor serviços teve uma variação
positiva significativa no período, insuficiente para compensar
a queima de empregos em outros setores do município..."
Quanto à sazonalidade, o autor critica os empregos informais gerados
apenas em alta temporada e pontua:
" A questão da sazonalidade aliada à "informalidade",
é praticamente indissociável das atividades turísticas
em Florianópolis porque efetivamente os meses do verão configuram-se
na efervescência dos empregos dessa natureza".
Pode-se afirmar que, os efeitos do turismo inter-relacionados aos aspectos
sócio-econômicos da população habitante de
Florianópolis, muito tem a acrescentar ao desenvolvimento econômico
da cidade. Toda ação possui contrastes, considerando o turismo
como um todo , seus impactos e efeitos não se anulam e sim favorecem
a reflexão sobre a busca pelo equilíbrio .
Ao contrário das colocações negativas e críticas
ao reflexo do desenvolvimento do turismo, uma colocação
bastante positiva pode ser abordada:
" Setor emergente, o turismo avançou com rapidez e, apesar
de sazonal e concentrado na faixa litorânea, foi definitivamente
incorporado ao cenário estadual, inclusive pelo aparato instalado
no bojo dos crescentes fluxos de visitantes, muitos deles estrangeiros.
E na região de Florianópolis deram-se os primeiros passos
rumo à instalação de uma promissora indústria
de alta tecnologia, parcialmente sob o estímulo do próprio
funcionamento de empresas estatais" .
Muitos autores discutem os aspectos positivos da atividade turística
e muitos outros agridem o setor falando apenas de seus impactos para a
população, para o meio ambiente e demais elementos pertinentes
ao entorno da atividade. Para alguns autores, o planejamento turístico
pode ser a única saída para a minimização
dos impactos advindos da atividade turística.
" O planejamento é fundamental e indispensável para
o desenvolvimento turístico equilibrado e em harmonia com os recursos
físicos, culturais e sociais das regiões receptoras, evitando,
assim, que o turismo destrua as bases que o fazem existir" .
A idéia do turismo destrutivo pode ser visualizada em muitos lugares
no Brasil e no exterior. Porém, não apenas o turismo, mas
qualquer atividade não organizada e planejada acaba degradando
o espaço utilizado.
Os impactos e efeitos que o turismo pode trazer, considerando os aspectos
sócio-culturais da população podem ser verificados
em algumas colocações de Ruschmann (1997,p.46):
"...os impactos desfavoráveis apresentam-se com maior intensidade
nos locais onde o fluxo de turistas é muito grande ( turismo de
massa) e os estudiosos alertam para os riscos do comprometimento da autenticidade
e da espontaneidade das manifestações culturais. Por outro
lado, aqueles que reconhecem o turismo como um " revelador de cultura"
responsabilizam a atividade pelo "sadio renascer" de aspectos
que estavam em extinção".
A questão da mudança que ocorre com o desenvolvimento do
turismo em uma região pode ser descrita a partir de novos aspectos
gerenciados pelas localidades.
"...existe um padrão de mudanças imposto pelo empreendimento
turístico que mesmo com o rótulo de atividade sustentável
representado por modalidades como turismo étnico, turismo cultural,
turismo ecológico, entre outros, tem servido para escamotear um
sistema de exploração econômica e desestruturação
cultural "...
A relação do desenvolvimento turístico com o meio
ambiente e o patrimônio cultural são evidenciadas nos questionamentos
acerca dos impactos oriundos desta estreita união.
Olga Cruz (1998, p. 234) aborda a necessidade da sustentabilidade para
o turismo de Florianópolis." O turismo é a terceira
indústria exportadora do mundo, ficando atrás somente do
petróleo e dos automóveis ( Ver. Correio UNESCO, 1995) e,
ao mesmo tempo, é um destruidor de territórios e de culturas.
Desta maneira, existe uma necessidade urgente de conciliar turismo com
preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural.
Soluções para ser encontradas na proposição
de um turismo sustentável, numa coexistência entre o homem
e a natureza".
Algumas proposições sobre o equilíbrio do turismo
são citadas em quase todas as obras que demonstram os efeitos causados
pela atividade turística nos diversos setores.
A maior preocupação da atualidade focaliza-se no meio ambiente,
pois, os recursos naturais ao se findarem estarão levando consigo
a extinção daquele tipo de turismo.
Quanto à cidade de Florianópolis, averiguando uma colocação
bastante pertinente à ocupação urbana e seu desenfreado
descaso com o planejamento urbano e turístico local, deve-se refletir
como alcançar o equilíbrio entre o homem - natureza - lugar
e turismo.
" Os problemas da ocupação urbana e do turismo na grande
Florianópolis costeira estão muito ligados à natureza.
À medida que iniciativas técnicas são aplicadas,
há providências cuidadosas a serem tomadas para que essa
ocupação se adapte ou se ajuste ao desenho natural, para
o bem do turismo e da população. Isto exige mudanças
e mentalidades renovadoras" .
Questionamentos sobre a sustentabilidade turística devem ser discutidos
com certa freqüência, pois, a única maneira de perpetuar
o desenvolvimento da atividade turística minimizando seus impactos
e gerando reflexos positivos ao local ( à comunidade e a todos
que participam direta ou indiretamente do meio) parece ser a união
de todos que , em conjunto desenvolvem a atividade.
Sobre o desenvolvimento do turismo a UNESCO faz um alerta a todos que
possuem estreitas ligações com a atividade turística
para não esquecerem que o desenvolvimento integra a sustentabilidade
ao criar novas concepções de produção, de
consumo e de lazer para um novo paradigma.
Apesar de todos os aspectos negativos que o desenvolvimento turístico
produziu, pode-se averiguar nitidamente os benefícios que a atividade
trouxe à Florianópolis : 1. O aumento dos empregos fixos
e flutuantes , combinados com o desenvolvimento urbano, infra-estrutura
básica e a superestrutura ; 2 . A transformação do
cenário de uma cidade com recursos naturais e culturais vastos
em um lugar propício para a rentabilidade econômica do turismo.
A IDENTIDADE CULTURAL COMO PARTE INTEGRANTE DO PATRIMÔNIO IMATERIAL
Segundo Hall a tradição pode ser considerada
elemento crucial da simbologia produzida e calcificada pela sociedade
que a impõe:
"...nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os
símbolos são valorizados porque contém e perpetuam
a experiência de gerações. A tradição
é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer
atividade ou experiência particular na continuidade do passado,
presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por
práticas sociais recorrentes".
A idéia de formular questionamentos acerca das relações
entre identidade cultural e o desenvolvimento turístico pode ser
trabalhada sob o aspecto da "continuidade do passado". Para
elucidar tais relações , pode-se definir quais são
os elementos de maior relevância na composição da
identidade cultural.
É importante demonstrar os conceitos de identidade e cultura separadamente.
Alguns autores utilizam as definições de maneira separada
para contextualizar elementos da cultura material e imaterial.
A cultura segundo Geertz ( 1989, p.56) é melhor vista não
como complexos de padrões concretos de comportamento - costumes,
usos, tradições, feixes de hábitos , como tem sido
o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle
- planos, receitas, regras, instruções ( o que os engenheiros
de computação chamam de "programas" ) para governar
o comportamento.
O autor acredita ainda que:
" O homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente
de tais mecanismos de controle, extragenéticos , fora da pele,
de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento".
Edward Taylor conforme indicação de Laraia (1986,p.25) define
cultura como:
" Tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade.
Para descrever o homem em seu meio cultural, abrangendo o espaço
onde está inserida sua relação com a cultura, poderá
ser demonstrada uma colocação bastante pertinente. O homem
é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é
um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento
e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações
que o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse
patrimônio cultural permite as inovações e as invenções.
Estas não são pois, o produto da ação isolada
de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade".
A compreensão dos aspectos apresentados dependerá das distinções
conceituais utilizadas . O conceito de cultura material - será
aplicado neste contexto como soma de artefatos - bens manufaturados e
invenções de toda sorte. Definindo a cultura material e
especificadamente o artefato, poder-se-á definir o significado
da identidade cultural como elemento crucial no desenvolvimento do turismo.
O turismo pode apropriar-se de alguns elementos da cultura material ou
imaterial para desenvolver suas potencialidades. Alguns autores utilizam
a terminologia de turismo cultural para demonstrar essa apropriação.
Segundo Silberberg (1995,p.361) o turismo cultural pode ser definido como
visitas de pessoas de fora da comunidade receptora motivadas completamente
ou em parte por interesses na oferta histórica, artística,
científica ou no estilo de vida, tradições da comunidade
, religião, grupo ou instituição.
Considerando que o turismo cultural ainda recebe muita crítica
e resistência por parte dos autores, será utilizada neste
momento a nomenclatura para a identificação da identidade
cultural no sentido da apropriação deste elemento por este
tipo de turismo.
A importância dos objetos materiais para a cultura são indiscutíveis,
porém, cabe ressaltar que tais objetos encerram além do
trabalho manual, o simbolismo de preservar por gerações
a arte do "saber- fazer" .
A relevância se fundamenta nas considerações elaboradas
por Jaffé ( 1969), autor que acredita que o homem com sua propensão
para criar símbolos, transforma inconscientemente os objetos em
símbolos, dotando-os , portanto, de grande importância psicológica.
Identidade cultural segundo Pires (2001,p.102) pode ser considerada como
o conjunto de caracteres próprios e exclusivos de um corpo de conhecimentos,
seus elementos individualizadores e identificadores, enfim, o conjunto
de traços psicológicos, o modo de ser, de sentir e de agir
de um grupo, que se reflete nas ações e na cultura material.
O desenvolvimento turístico de uma localidade que possui símbolos
refletidos na sua cultura material parece delimitar o fator de motivação
da demanda através de tais recursos.
Muitas cidades turísticas no Brasil possuem atrativos naturais
e culturais que exercem grande relevância nos aspectos motivacionais
da demanda. Algumas cidades possuem maior relevância nos aspectos
intrinsecamente ligados ao fator cultural.
A cidade de Florianópolis parece possuir elementos naturais de
maior atratividade para os turistas. Porém , sua aptidão
turística revela-se bastante heterogênea.
A divulgação de seus atrativos naturais se funde aos elementos
do simbolismo e do imaginário da população local.
A necessidade de demonstrar a identidade cultural da população
que habita uma cidade turística como Florianópolis está
arraigada no comportamento preservacionista que esta demonstra através
da continuidade de suas tradições. A manutenção
das identidades é fator importante para atrair a atenção
dos turistas não predadores, visto que estes buscam na diversidade
e na especificidade cultural os elementos para o seu lazer.
Conhecer um pouco dos aspectos culturais de uma população
pode ser considerado atualmente, um dos principais motivos de visitação
turística.
Pensar na composição do patrimônio imaterial demonstrado
através dos traços, formas , instrumentos e cores de objetos
da cultura material, como os artefatos de um povo, parece ser tarefa bastante
complexa.
Antes de desmembrar os elementos da cultura material, interessantes na
construção do patrimônio imaterial que se deseja refletir
neste trabalho, será transcrito da Carta de Fortaleza , algumas
considerações a respeito da cultura popular. Cury (2000,p.363)
descreve:
" O objetivo do seminário foi recolher subsídios que
permitissem a elaboração de diretrizes e a criação
de instrumentos legais e administrativos visando identificar, proteger,
promover e fomentar os processos e bens " portadores de referência
à identidade, à ação e à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira( Art.216 da Constituição),
considerados em toda a sua complexidade, diversidade e dinâmica
, particularmente " as formas de expressão, os modos de criar,
fazer e viver, as criações científicas, artísticas
e tecnológicas", com especial atenção àquelas
referentes à cultura popular.
O plenário, considerando:
1. " a crescente demanda pelo reconhecimento e preservação
do amplo e diversificado patrimônio cultural brasileiro, encaminhada
pelos poderes públicos e pelos segmentos sociais organizados;
2. que em nível nacional, cabe ao IPHAN identificar, documentar
, proteger, fiscalizar, preservar e promover o patrimônio cultural
brasileiro;
3. que o patrimônio cultural brasileiro é constituído
por bens de natureza material e imaterial, conforme determina a Constituição
federal;
4. que os bens de natureza imaterial devem ser objeto de proteção
específica; e
5. que os instintos de proteção legal em vigor no âmbito
federal não se tem mostrado adequados à proteção
do patrimônio cultural de natureza imaterial".
Sobre a identidade cultural foi definido na conferência
Mundial sobre práticas culturais, o ICOMOS - Conselho Internacional
de Monumentos e Sítios, o seguinte conceito :
" A identidade cultural é uma riqueza que dinamiza as possibilidades
de realização da espécie humana, ao mobilizar cada
povo e cada grupo a nutrir-se de seu passado e a colher as contribuições
externas compatíveis com sua especificidade e continuar, assim,
o processo de sua própria criação. Todas as culturas
fazem parte do patrimônio comum da humanidade. A identidade cultural
de um povo se renova e enriquece em contato com as tradições
e valores dos demais. A cultura é um diálogo, intercâmbio
de idéias e experiências, apreciação de outros
valores e tradições; no isolamento, esgota-se e morre."
Para demonstrar a identidade como elemento crucial do patrimônio
cultural, será abordado o conceito de patrimônio cultural
resgatado das transcrições de Curry ( 2000, p.273), da Declaração
do México através da Conferência Mundial sobre as
Políticas Culturais." O patrimônio cultural de um povo
compreende as obras de seus artistas, arquitetos, músicos, escritores
e sábios, assim como as criações anônimas surgidas
da alma popular e o conjunto de valores que dão sentido à
vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que expressam
a criatividade desse povo: a língua, os ritos, as crenças,
os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte
e os arquivos e bibliotecas."
A construção do conceito de patrimônio imaterial,
seguida das interferências e referências das Cartas Patrimoniais
, significa que o primeiro passo para a preservação da memória
e dos símbolos de um grupo específico já foi dado
.
Quando se fala em "tradição", logo vem em mente
a transmissão de um conjunto de valores passado de geração
para geração. A distinção dos traços
culturais pode ser visualizada nitidamente quando outros grupos estão
em contato direto com eles.
Cunha ( 1987, p. 100) faz uma referência muito interessante sobre
esse ponto:
" ... a escolha dos tipos de traços culturais que irão
garantir a distinção do grupo enquanto tal depende dos outros
grupos em presença e da sociedade em que se acham inseridos, já
que os sinais diacríticos devem poder se opor, por definição,
a outros de mesmo tipo."
Ao observar os traços de um povo, automaticamente são referenciados
os estilos, os traços, os modos de vida e as produções.
Entre técnicas de trabalho, instrumentos utilizados, símbolos
e crenças ,atentamente são levados em consideração
o montante de informações.
Uma referência anteriormente utilizada demonstra a tradição
como um conjunto de valores perpetuados. Um outro "olhar" sobre
tradição remete-se aos elementos culturais que, sob aparência
de serem idênticos a si mesmos, ocultam o fato essencial de que,
fora do todo em que foram criados, seu sentido se alterou.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As rendas de bilros tornaram-se ao longo dos anos 70,80
,90 e atualmente é difundida na Lagoa da Conceição
como elemento crucial do patrimônio cultural do local.
As origens açorianas perpetuam-se por meio das várias faces
do simbolismo português. Além das rendas , dos pescadores,
da culinária, das festas populares e da religiosidade latente,
os habitantes da Lagoa até os dias atuais continuam com a idéia
de perpetuarem os símbolos oriundos de suas raízes.
O orgulho da descendência açoriana parece exercer forte influência
na continuidade do trabalho artístico-artesanal desenvolvido pelas
rendeiras.
Os vários questionamentos levantados na pesquisa favoreceram a
preocupação com a "tradição de fazer
rendas de bilros" e o turismo parece ser a atividade que pode perpetuar
tais aspirações.
As rendeiras acreditam que o turismo traz desenvolvimento para o local
e proporciona a perpetuação do artesanato. Acreditam que
os turistas precisam conhecer a identidade cultural que está ligada
ao trabalho das rendas, pois, desconhecem suas reais raízes .
A heterogeneidade nos aspectos sócio-econômicos e culturais
dos turistas faz com que alguns adquiram o artesanato de rendas por sua
ornamentalidade ou por sua utilidade; outros ainda pelas duas funções
do produto, ou seja, é um ornamento e também é útil.
O que depende é o tipo de produto.
A importância em aguçar discussões sobre a identidade
cultural das rendas pode ser crucial para o futuro deste tipo de trabalho
no local.
Uma das maiores preocupações das rendeiras é a incerteza
de que seus trabalhos serão perpetuados pelas filhas. A descrença
no trabalho pela própria configuração em que se encontra
, faz com que os descendentes não queiram fazê-lo pelo retorno
financeiro e também emotivo que está atualmente estabelecido
nestas relações.
O trabalho artesanal para as rendeiras é considerado como uma tradição,
passada de geração em geração que foi capaz
de durar até os dias de hoje, carregado de histórias , dificuldades
, e adaptabilidade .
A preocupação no que diz respeito à preservação
das rendas de bilros pode ser considerada o principal objetivo deste trabalho.
Caracterizar as rendas como fundamental elemento do patrimônio imaterial
da Lagoa da Conceição é o intuito da pesquisa elaborada
. Atentar para a descaracterização do produto está
inteiramente relacionado ao desenrolar da trajetória : rendas/
turismo/ identidade cultural.
A pesquisa revelou até o presente momento que as rendas não
podem continuar a ser comercializadas como mero "souvenir",
e nem barateadas e consideradas como qualquer outro tipo de produto industrializado.
Necessitam de atenção para suas tradições
, símbolos e identidade nelas estabelecidas.
Considerando a dinâmica cultural que permeia o desenvolvimento de
qualquer trabalho, as rendas de bilros ao contrário do que se pensa
sobre a descaracterização , está cada vez mais calcada
na identidade cultural açoriana.
Alterar a utilidade das rendas talvez não seja um movimento de
descaracterização e sim de dinamização do
trabalho artístico-artesanal.
A Lagoa possui uma oficina que perpetua o aprendizado das rendas de bilros.
O Centro Cultural Bento Silvério ( Casarão da Lagoa) reúne
mulheres de várias idades e localidades para aprenderem o ofício
da renda.
A preocupação do Centro é a preservação
do ensino-aprendizagem das técnicas de fazer rendas de bilros.
Este parece ser até o momento um dos únicos meios de dar
continuidade ao trabalho artesanal das rendas , já que as filhas
das rendeiras não pretendem perpetuar o trabalho .
Cabe então serem definidas as propostas para a preservação
das rendas de bilros na Lagoa da Conceição.
1. Possibilitar discussões para tornar as rendas de bilros como
patrimônio cultural da Lagoa ;
2. Demonstrar ao poder público, a importância do trabalho
artesanal para as rendeiras, para a cidade e principalmente para o desenvolvimento
do turismo;
3. Proporcionar aos turistas meios de conhecerem as rendas de bilros e
valorizarem sua identidade;
4. Favorecer a união entre as diversas rendeiras que ocupam vários
espaços diferentes para comercializarem o trabalho artesanal.
Para terminar esta discussão, cabe ser ressaltada uma colocação
bastante pertinente de Lody ( 1999, p.6):
"...Está em jogo a noção de cidadania, a questão
dos direitos humanos, assim como, necessariamente, a questão fundamental
da memória de uma nação".
A discussão ainda é muito imatura para ser fechada, a pesquisa
ainda tem muito a acrescentar no desenvolvimento deste trabalho de preservação
das rendas de bilros . As várias interfaces da pesquisa estão
sendo confeccionadas e serão apresentadas em um segundo momento.
O ponto relevante deste artigo é demonstrar os primeiros passos
para salvaguardar o patrimônio cultural da Lagoa advindo do trabalho
das rendeiras.
Referências Bibliográficas
BAYARD, Émile. L'Art de reconnaître les Dentelles,
Paris, 1924. Apud. Ramos,
1948.
CAROSO, Carlos. RODRIGUES, Núbia. " Nativos , Veranistas e
Turistas:
Identidades, Mudança e Deslocamento Sociocultural no Litoral Norte
da
Bahia". Turismo em Análise 9 (1). São Paulo, maio de
1998.
CRUZ, Olga. A Ilha de Santa Catarina e o Continente Próximo: Um
estudo de
geomorfologia costeira. Florianópolis: UFSC,1998.
CUNHA, M.C. Pereira(org.) O direito à memória - Patrimônio
Histórico e cidadania.
São Paulo: Departamento de Patrimônio Histórico,1992.
CURY, Isabelle.(org.) Cartas Patrimoniais. 2ª ed. Rio de Janeiro:
IPHAN, 2000.
DIEGUES, Antonio Carlos. Ilhas e Mares: Simbolismo e imaginário.
São Paulo:
HUCITEC,1998.
FLORES, Maria Bernadete Ramos. Povoadores da Fronteira: Os casais açorianos
rumo ao sul do Brasil. Florianópolis: UFSC,2000.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro:
LTC, 1989.
GRANDO, Sérgio. Florianópolis de Todos. Florianópolis:
Insular, 2000.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A,
2000. Apud Giddens, A . 1990.
JAFFÉ, Aniela. El simbolismo en las artes visuales. In Jung, Carl
G. El Hombre y
sus símbolos. Madrid: Aguilar,1969.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura : Um conceito Antropológico. 11ª
edição. R.J:
Jorge Zahar Editor, 1996.
LEFÉBURE, Ernest. Broderie et Dentelles. Paris,1887.Apud. Ramos,1948.
LIMA, Helder Fernado Parreira de Souza. Os Açores na economia atlântica.
Boletim
do Instituto Histórico da Ilha Terceira. XXXIV (34) 1976. Apud.
Ramos, 2000.
LODY, Raul. Patrimônios culturais tradicionalmente não consagrados.
Por quem?
Comunicado Aberto 33: novembro, 1999.
OURIQUES, Helton Ricardo. Turismo em Florianópolis: uma crítica
à indústria pós-
moderna. Florianópolis: UFSC,1998.
PIRES, Mário Jorge. Lazer e Turismo Cultural. São Paulo:
Manole, 2001.
RAMOS, Luíza. A renda de Bilros e sua aculturação
no Brasil. Rio de Janeiro:
Publicações da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia,
1948.
RUSCHMANNN, Dóris. Turismo e Planejamento Sustentável. Campinas,
SP:
Papirus,1997.
SANTOS, Silvio Coelho dos. (org.) Santa Catarina no Século XX :
ensaios e
memória fotográfica. Florianópolis: UFSC, 2000.
SILBERBEG, Ted. Cultural Tourism and Business Opportunities for museums
and
Heritage sites. In Tourism Management. 16 (5), Londres, Butterworth
Heinemann, 1995. Apud Pires, 2001.
Buscar en esta seccion :