La gestión del turismo y sus problemáticas desde visiones sociales
La gestión del turismo y sus problemáticas desde visiones sociales
Patrimônio e Turismo: algumas considerações
Pedro Paulo A. Funari[1]
Antes de discutir a problemática da relação entre Turismo e patrimônio, cabe explorar os diferentes sentidos ligados ao conceito mesmo de “património cultural”. As línguas românicas usam termos derivadas do latim patrimonium para se referir à “propriedade herdada do pai ou dos antepassados, uma herança”. Os alemães usam Denkmalpflege, "o cuidado dos monumentos, daquilo que nos faz pensar", enquanto o inglês adotou heritage, na origem restrito "àquilo que foi ou pode ser herdado" mas que, pelo mesmo processo de generalização que afectou as línguas românicas e seu uso dos derivados de patrimonium, também passou a ser usado como uma referência aos monumentos herdados das gerações anteriores. Em todas estas expressões, há sempre uma referência à lembrança, moneo (em latim, "levar a pensar", presente tanto em patrimonium como em monumentum), Denkmal (em alemão, denken significa "pensar') e aos antepassados, implícitos na "herança". Ao lado destes termos subjectivos e afectivos, que ligam as pessoas aos seus reais ou supostos precursores, há, também, uma definição mais económica e jurídica, "propriedade cultural", comum nas línguas românicas (cf. em italiano, beni culturali), o que implica um liame menos pessoal entre o monumento e a sociedade, de tal forma que pode ser considerada uma “propriedade”. Como a própria definição de “propriedade” é política, “a propriedade cultural é sempre uma questão política, não teórica”, ressaltava Carandini (1979: 234).
Há não muito tempo, Joachim Hermann (1989: 36) sugeriu que “uma consciência histórica é estreitamente relacionada com os monumentos arqueológicos e arquitectónicos e que tais monumentos constituem importantes marcos na transmissão do conhecimento, da compreensão e da consciência históricos”. Não há identidade sem memória, como diz uma canção catalã: “aqueles que perdem suas origens, perdem sua identidade também”(Ballart 1997: 43). Os monumentos históricos e os restos arqueológicos são importantes portadores de mensagens e, por sua própria natureza como cultura material, são usados pelos actores sociais para produzir significado, em especial ao materializar conceitos como identidade nacional e diferença étnica. Deveríamos, entretanto, procurar encarar estes artefactos como socialmente construídos e contestados, em termos culturais, antes que como portadores de significados inerentes e ahistóricos, inspiradores, pois, de reflexões, mais do que de admiração (Potter s.d.). Uma abordagem antropológica do próprio património cultural ajuda a desmascarar a manipulação do passado (Haas 1996). A experiência brasileira, a esse respeito, é muito clara: a manipulação oficial do passado, incluindo-se o gerenciamento do património, é, de forma constante, reinterpretada pelo povo. Como resumiu António Augusto Arantes (1990: 4): “o património brasileiro preservado oficialmente mostra um país distante e estrangeiro, apenas acessível por um lado, não fosse o fato de que os grupos sociais o reelaboram de maneira simbólica”. Esses estratos são os excluídos do poder e, assim, da preservação do património.
O património foi, desde há muito, preocupação de “escritores, arquitectos e artistas, os verdadeiros descobridores do património cultural no Brasil, não historiadores ou arqueólogos” (Munari 1995). A preservação dos edifícios de igrejas coloniais poderia ser considerado, no Brasil e no resto da América Latina (García 1995: 42), como o mais antigo manejo patrimonial. É interessante notar que a importância da Igreja Católica na colonização ibérica do Novo Mundo explica a escolha estratégica de se preservar esses edifícios, sejam templos construídos sobre os restos de estruturas indígenas (cf. o exemplo maia, em Alfonso & García s.d.: 5), sejam as igrejas nas colinas que dominavam a paisagem, como foi o caso na América portuguesa. Contudo, nem mesmo as igrejas foram bem preservadas no Brasil, com importantes excepções, e isto pode ser explicado pelo anseio das elites, nos últimos cem anos, de “progresso”, não por acaso um dos dois termos na bandeira nacional surgida da Proclamação da República, em 1889, “ordem e progresso”. Desde então, o país tem buscado a modernidade e qualquer edifício moderno é considerado melhor do que um antigo. Houve muitas razões para mudar-se a capital do Rio de Janeiro para uma cidade criada ex nouo, Brasília, em 1961, mas, quaisquer que tenham sido os motivos económicos, sociais ou geopolíticos, apenas foi possível porque havia um estado d’alma favorável à modernidade. A melhor imagem da sociedade brasileira não deveria ser os edifícios históricos do Rio de Janeiro, mas uma cidade moderníssima e mesmo os mais humildes sertanejos deveriam preterir seu património, em benefício de uma cidade sem passado (Funari, a sair).
Talvez o exemplo mais claro dessa luta contra a lembrança materializada seja São Paulo, essa megalópolis, cujo crescimento não encontra paralelos. Ainda que fundada em 1554, continuou a ser uma cidadezinha até fins dos século XIX, até tornar-se, nestes últimos cem anos, a maior cidade do hemisfério sul. Nesse processo, restos antigos sofreram constantes degradações ideológicas e físicas, sendo construídos novos edifícios para criar uma cidade completamente nova. Os edifícios históricos, se assim se pode falar, são a Catedral e o Parque Modernista do Ibirapuera, planejado por Niemeyer, ambos inaugurados em 1954 para comemorar os quatrocentos anos da cidade. Os principais prédios públicos, como o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo ou o Palácio Nove de Julho, que abriga a Assembléia Legislativa do Estado, são, também, muito recentes e a mais importante avenida, a Paulista, fundada em fins do século XIX como um bastião de mansões aristocráticas, foi totalmente remodelada na década de 1970. Mesmo em cidades coloniais, algumas delas bem conhecidas no exterior, como Ouro Preto, declarada Património da Humanidade, a modernidade está sempre presente, por desejo de seus habitantes. Guiomar de Grammont (1998: 3) descreve esta situação com palavras fortes:
“A distância entre as autoridades e o povo é a mesma daquela entre a sociedade civil e o passado, devido à falta de informação, ainda que os habitantes das cidades coloniais dependam do turismo para sua própria sobrevivência. Quem são os maiores inimigos da preservação dessas cidades coloniais? Em primeiro lugar, a própria administração municipal, não afectada pelos problemas sociais e ignorante das questões culturais em geral mas, às vezes, os moradores também, inconscientes da importância dos monumentos, contribuem para a deformação do quadro urbano. Novas janelas, antenas parabólicas, garagens, telhados e casas inteiras bastam para transformar uma cidade colonial em uma cidade moderna, uma mera sombra de uma antiga cidade colonial, como é o caso de tantas delas”.
É fácil entender que as pessoas estejam interessadas em ter acesso à infraestrutura moderna mas, como notam os europeus quando visitam as cidades coloniais, se os edifícios medievais podem ser completamente reaparelhados, sem danificar os prédios, não haveria porque não fazê-lo no Brasil. Outra ameaça ao património arqueológico das cidades coloniais é o roubo, já que os ladrões são muito atuantes, havendo mais de quinhentas igrejas e museus locais coloniais (Rocha 1997; cf. um caso semelhante na República Tcheca, Calabresi 1998). Um problema mais prosaico é a deterioração dos monumentos devido à falta de manutenção e abrigo, mesmo no interior de edifícios (Lira 1997; Sebastião 1998). Estes três perigos para a manutenção dos bens culturais, aparentemente não relacionados, revelam uma causa subjacente comum: a alienação da população, o divórcio entre o povo e as autoridades, a distância que separa as preocupações corriqueiras e o ethos e políticas oficiais. Houve uma “política de património que preservou a casa-grande, as igrejas barrocas, os fortes militares, as câmaras e cadeias como as referências para a construção de nossa identidade histórica e cultural e que relegou ao esquecimento as senzalas, as favelas e os bairros operários” (Fernandes 1993: 275).
Para o povo, há, pois, um sentimento de alienação, como se sua própria cultura não fosse, de modo algum, relevante ou digna de atenção. Tradicionalmente, havia dois tipos de casa no Brasil: as moradas de dois ou mais andares, chamados de “sobrados”, onde vivia a elite, e todas as outras formas de habitação, como as “casas” e “casebres”, “mocambos” (derivado do quimbundo, mukambu, "fileira"), "senzalas" (locais da escravaria), "favelas" (tugúrios) (Reis Filho 1978: 28). O resultado de uma sociedade baseada na escravidão, desde o início houve sempre dois grupos de pessoas no país, os poderosos, com sua cultura material esplendorosa, cuja memória e monumentos são dignos de reverência e preservação e os vestígios esquálidos dos subalternos, dignos de desdém e desprezo. Como enfatizou o grande sociólogo brasileiro, Octávio Ianni (1988: 83), o que se considera património é a Arquitetura, a música, os quadros, a pintura e tudo o mais associado às famílias aristocráticas e à camada superior em geral. A Catedral, frequentada pela "gente de bem", deve ser preservada, enquanto a Igreja de São Benedito, dos "pretos da terra", não é protegida e é, com frequência, abandonada. Os monumentos considerados como património pelas instituições oficiais, de acordo com Eunice Durham (1984: 33), são aqueles relacionados à "história das classes dominantes, os monumentos preservados são aqueles associados aos feitos e à produção cultural dessas classes dominantes. A História dos dominados é raramente preservada".
Devemos concordar com Byrne (1991: 275) quando afirma que é comum que os grupos dominantes usem seu poder para promover seu próprio património, minimizando ou mesmo negando a importância dos grupos subordinados, ao forjar uma identidade nacional à sua própria imagem, mas o grau de separação entre os setores superiores e inferiores da sociedade não é, em geral, tão marcado quanto no Brasil. Neste contexto, não é de surpreender que o povo não preste muita atenção à protecção cultural, sentida como se fora estrangeira, não relacionada à sua realidade. A mesma distância afecta o património, pois os edifícios coloniais são considerados como “problema deles, não nosso”. Poderíamos dizer, assim, que a busca da modernidade, mesmo sem levar em conta a destruição dos bens culturais, poderia bem ser interpretada como um tipo de luta não apenas por melhores condições de vida, mas contra a própria lembrança do sofrimento secular dos subalternos.
O património arqueológico stricto sensu poderia deixar de ser afectado por esta falta de interesse na preservação da cultura material da elite, na medida em que a Arqueologia produz evidência de indígenas e dos humildes em geral (cf. Trigger 1998: 16). Entretanto, há muitos factores que inibem um engajamento activo da gente comum na protecção patrimonial. Em primeiro lugar, há falta de informação e de educação formal sobre o tema. Indígenas, africanos e pobres são raramente mencionados nas lições de História e, na maioria das vezes, as poucas referências são negativas, ao serem representados como preguiçosos, uma massa de servos atrasados incapazes de alcançar a civilização. Os índios eram considerados ferozes inimigos, dominados por séculos e isso pleno iure. Em famoso debate, no início do século XX, Von Ihering, então diretor do Museu Paulista, propôs o extermínio dos índios Kaingangs que, segundo ele, estavam a atravancar o progresso do país (Schwarcz 1989: 59) e, mesmo que tenha sido desafiado por outros intelectuais, principalmente do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sua atitude era e ainda é muito sintomática da baixa estima dos indígenas, mesmo na academia. Basta lembrar que o material indígena proveniente do oeste do Estado de São Paulo, coletado há oitenta anos, à época de Von Ihering, apenas agora está sendo exposto, graças a um projecto inovador da Universidade de São Paulo (Cruz 1997): antes tarde do que nunca!
Por fim, mas não menos importante, há uma falta de comunicação entre o mundo académico e o povo. Os estudiosos deveriam agir com a comunidade, não para ela (Rússio 1984: 60), dando ao povo uma melhor compreensão do passado e do mundo (Hudson 1994: 55). Para atingir esses objectivos, pesquisas de largo fôlego não deveriam levar à diversão (Durrans 1992: 13), mas à integração de processos, como é o resgate de edifícios históricos e a escavação de sítios arqueológicos, e produtos, como a publicização do trabalho científico por meio de diferentes media (Merriman 1996: 382).
No Brasil, o cuidado do património sempre esteve a cargo da elite, cujas prioridades têm sido tanto míopes como ineficazes. Edifícios de alto estilo arquitectónico, protegidos por lei, são deixados nas mãos do mercado e o comércio ilegal de obras de arte é amplamente tolerado. Recentemente, Christie’s vendeu uma obra-prima de Aleijadinho (Blanco 1998a; 1998b). A imprensa está sempre a noticiar a respeito, sem que se faça algo a respeito (cf. Leal 1998; Verzignasse 1998; Werneck 1998). A gente comum sente-se alienada tanto em relação ao património erudito quanto aos humildes vestígios arqueológicos, já que são ensinados a desprezar índios, negros, mestiços, pobres, em outras palavras, a si próprios e a seus antepassados. Neste contexto, a tarefa académica a confrontar os estudiosos e aqueles encarregados do património, no Brasil, é particularmente complexa e contraditória. Devemos lutar para preservar tanto o património erudito, como popular, a fim de democratizar a informação e a educação, em geral. Acima de tudo, devemos lutar para que o povo assuma seu destino, para que tenha acesso ao conhecimento, para que possamos trabalhar, como académicos e como cidadãos, com o povo e em seu interesse. Como cientistas, em primeiro lugar, deveríamos buscar o conhecimento crítico sobre nosso património comum. E isto não é uma tarefa fácil e que se relaciona, de forma menos distante do que se poderia imaginar com o Turismo, motivo pelo qual o Professor Jaime Pinsky e eu organizamos, em 2001, uma obra sobre o tema (Turismo e Patrimônio Cultural, São Paulo, Editora Contexto, 2001).
Turismo é o deslocamento de pessoas de seu domicílio quotidiano, por no mínimo 24 horas, com a finalidade de retorno, segundo definição da OMT (Organização Mundial de Turismo). Porque as pessoas se deslocam, aos milhões? Pelas mais diferentes razões: os objetivos da viagem podem ser o descanso, a diversão, mas também o trabalho, o aprendizado ou o aperfeiçoamento profissional, entre muitos outros. Todos essas movimentações implicam contato humano e cultural, trocas de experiências entre os viajantes e a população local. Essa a essência mesma do turismo, pois, principalmente com as novas tecnologias, quase tudo se pode fazer sem sair de nosso ambiente, tanto descansar como aprender uma língua estrangeira. Em princípio, portanto, as pessoas só decidem viajar se e quando querem entrar em contato com outros costumes e maneiras de viver, com outros povos e culturas, com outras realidades.
No campo dos estudos sobre o Turismo, o turismo cultural é definido de maneira estreita como aquele segmento que trata das viagens de estudo, um item importante na pauta de alguns países, especialmente os de língua inglesa, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Contudo, a cultura não se restringe ao estudo formal, ao contrário: todas nossas ações fazem parte da cultura. Vamos lembrar de um caso muito comum e prosaico: a viagem à praia. À primeira vista, é apenas a busca do sol, da água e do descanso que move as pessoas. Mas seria só isso mesmo? Há todo um amplo espectro de aspectos culturais que levam à viagem: a casa na praia, com sua rusticidade caiçara; o churrasco ao ar livre; a paisagem natural e histórica do lugar; o contato e o bate-papo descontraído com os “nativos”; a água de coco do lugar, os pescados típicos, os quitutes feitos à maneira da casa; os passeios pelos recantos únicos daquela paragem...
Assim, de uma forma bem ampla, pode-se dizer que todo turismo é cultural. Por outro lado é necessário problematizar um pouco isso que poderia parecer óbvio, de um ponto de vista puramente teórico. O fato é que o turismo de massa trouxe novas formas de se fazer turismo sem que se tenha, efetivamente, que se sair de seu próprio ambiente. É a idéia que queremos apresentar aqui é a de que não é o que se vê, mas o como se vê, que caracteriza o turismo cultural. Será que um grupo que se propõe a ver a Europa toda em duas semanas, às pressas, em ônibus em que se fala apenas o português, as paisagens vistas apenas através dos vidros, (que funcionam quase como escudos contra os cheiros, gostos e cores das ruas) faz algum tipo de turismo cultural? Nas rápidas paradas, as pessoas são avisadas que é daquele cartão postal que se deve tirar fotos, seja ele a torre Eiffel, a Torre de Londres, a muralha da China ou a sereiazinha de Hans Cristian Anderson, em Copenhagen.
Pode-se e deve-se, portanto, discutir se o fato, em si, do deslocamento já constitui um fato cultural. Talvez seja mais adequado observar que o turismo cultural se efetiva quando da apropriação de algo que possa ser caracterizado como bem cultural, seja o que for. Uma caminhada demorada pelo Quartier Latin, em Paris, pode ser culturalmente mais expressiva que uma visita burocrática ao Museu do Louvre, da mesma forma que simples feijão com arroz num pequeno restaurante freqüentado por baianos, na Baixa do Sapateiro, em Salvador, pode nos ajudar mais a entender a cidade do que um vatapá saboreado na companhia de uma legião de turistas.
Aí chegamos ao ponto do que é e do que pode ser patrimônio cultural. Poderíamos mesmo dizer que patrimônio cultural é tudo aquilo que constitui um bem apropriado pelo homem, com suas características únicas e particulares. Enquanto um sanduíche do MacDonald’s busca ser rigorosamente igual em todo o mundo, dos ingredientes básicos ao tempero, da forma de servir aos acompanhamentos, um mesmo peixe pode ser preparado, à sua maneira, por cada cozinheiro: embrulhado em folhas de banana, no litoral paulista; com leite de coco e azeite de dendê no litoral baiano; cozido lentamente em panelas de barro nas moquecas capixabas; como filé, na manteiga, acompanhado de molho de alcaparras em restaurantes elegantes e simplesmente frito “a doré”, na beira da praia. Tanto o hambúrguer do Mac quanto o peixe podem ser vistos como bens culturais. Porém, enquanto o sanduíche do Mac representa um bem cultural global, padronizado, que passa a idéia de que as pessoas viajam, mas não saem do lugar, o pescado é uma iguaria local e é esta particularidade que muitos de nós buscam quando vão viajar (ainda que possamos, também, refugiarmo-nos no sanduíche, quando cansamos da imersão na cultura local).
Às vezes, a solenidade atribuída ao termo patrimônio sugere que dele façam parte apenas os grande edifícios ou as grandes obras de arte, mas o patrimônio cultural abrange tudo que constitui parte do engenho humano e, por isso, como dissemos, pode estar no cerne mesmo do turismo. Dessa forma, podemos e devemos ampliar muito a nossa compreensão do conceito, com todas as implicações decorrentes, das epistemológicas às práticas.
O Turismo tende a considerar o patrimônio cultural como aquele que se volta para certos tipos de atividades mais propriamente “culturais”, tais como as visitas a museus, a cidades históricas ou a roteiros temáticos, como a rota dos queijos e dos vinhos, por exemplo. Este é um aspecto importante do Turismo moderno, pois os maiores países, regiões e cidades receptoras de turistas podem ser identificados como destinos de turistas ávidos por cultura, como o é o caso da Itália, o país como maior número de patrimônios tombados pela UNESCO, mas também da França, Egito, Grécia, Turquia e Grã-Bretanha. No Brasil, este é o caso das cidades coloniais de Minas Gerais e das Missões Jesuíticas no Sul. Para discutir essas questões indicamos os capítulos sobre Museus e Patrimônio Histórico que mostram como, também em nosso país, os bens culturais podem constituir-se em importantes elementos de atração turística e, porque não, de conscientização social. Ainda que a política de patrimônio tenha preservado muito desigualmente os bens culturais, com o predomínio do grandioso e rebuscado, em detrimento daquilo que representava os costumes e anseios de muitos, não cabe dúvida que o contato direto com museus, edifícios e artefatos históricos permite uma salutar abertura para a variedade cultural, no passado e no presente.
Cerca de um terço dos turistas estrangeiros visitam a cidade do Rio de Janeiro e grande parte das viagens turísticas dão-se por ocasião de festividades, como o Carnaval, mas também muitas outras, como é o caso das festas juninas, em diversas regiões do Brasil. Em certo sentido, o folclore pode ser considerado como a expressão cultural mais legítima de um povo, sua alma expressa de forma figurada em mil estórias e rituais que, além de encantar o turista, permite que se trave contato direto com as muitas manifestações de identidade. Neste âmbito, inserem-se os eventos culturais como fator de movimentação turística, compreendendo ações educacionais, comunitárias e sociais que visam promover o maior acesso do cidadão aos bens e serviços da cultura.
Um grande vetor de viagens turísticas, em um país tão urbanizado como o Brasil, são as fugas da vida urbana, em direção aos parques ou ao retiro rural. De um lado, a natureza preservada com suas características próprias nos grandes parques permite que o turista entre em contato e reflita sobre o meio ambiente, com forças indomadas e apenas parcialmente controladas pelo homem. Trata-se de uma experiência cultural notável para o indivíduo acostumado com uma natureza ausente ou totalmente submetida aos desígnios humanos. A forma pela qual nos apropriamos da natureza, a maneira pela qual tentamos inseri-la em nossa vivência, tem a ver com nossa natureza e nossa vivência, como seres individuais e como seres culturalmente construídos. Por outro lado, o turismo rural fornece a possibilidade de vivenciar o dia a dia do campo, a ordenha, a caminhada, a quietude e o senso de tempo e distância que já se lhe escapam na vida conturbada quotidiana do citadino.
Em alguns países, a Arqueologia constitui importante estimulador de viagens turísticas, como é o caso, talvez mais famoso, do Egito, tão visitado por interessados nos vestígios faraônicos. Também em nosso país, a Arqueologia pode constituir um atrativo turístico, em especial se considerarmos as raízes indígenas de nossa cultura e de nosso povo. Mais de um terço da população brasileira possui alguma ascendência ameríndia e nossa língua, costumes, alimentos e muito mais estão impregnados de elementos indígenas.
Caberia questionar, por exemplo, projetos litorâneos preocupados em criar Cancuns brasileiras. Será que um país com um patrimônio cultural tão variado como o nosso precisa criar paraísos artificiais como os caribenhos (que têm a inegável vantagem de serem mais próximos dos principais centros de oferta de turistas) ou deveria investir na busca de outro tipo de turista? Não seria o caso de explorar os aspectos onde levamos nítida vantagem comparativa?
Busca-se, assim, problematizar a cultura como fator essencial da prática e da reflexão sobre o Turismo, pois Turismo e cidadania são termos, no fundo, intimamente relacionados. As viagens permitem não apenas conhecer outras realidades, mas perceber e valorizar a grande e rica diversidade cultural brasileira. A cidadania só se constrói com o reconhecimento e respeito pelas muitas formas de se viver e de se pensar o mundo e, neste livro, procura-se mostrar como o patrimônio cultural está presente em toda parte, não para ser simplesmente consumido pelo turista, mas para servir-lhe de elemento de reflexão. Para que não volte para casa apenas bronzeado, mas modificado, com a cabeça cheia de lembranças que lhe façam refletir sobre sua vida e sobre nossa sociedade. Em seguida, e também de forma original, procura-se mostrar que a interação com as comunidades e grupos sociais visitados é imprescindível, tanto para a fruição do passeio, como para o crescimento interior do cidadão turista.
Agradecimentos
Este artigo retoma, nas páginas finais, os argumentos elaborados em conjunto com Jaime Pinsky, com quem co-organizamos o volume “Turismo e Patrimônio Cultural” (São Paulo, Contexto, 2001) e consiste em texto apresentado em evento sobre Turismo e Patrimônio, em Amparo, SP, em 13 de Novembro de 2001. Agradeço, ainda, a diversos colegas, que contribuíram de diferentes maneiras, para que este artigo fosse escrito: Scott Allen, Jopep Ballart, Brian Durrans, Juan Manuel García, Siân Jones, Vítor Oliveira Jorge, Robert Layton, Charles E. Orser, Jr., Parker Potter, Michael Rowlands, Bruce G. Trigger, Peter Ucko. A responsabilidade pelas idéias restringe-se ao autor. Devo mencionar, ainda, os apoios institucionais do Congresso Mundial de Arqueologia, Instituto de Arqueologia (Londres), CNPq, Universidade de Barcelona e Universidade Estadual de Campinas.
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NOTAS
[1] Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, C. Postal 6100, Campinas, 13081-970, SP, Brasil, fax 55 19 289 33 27, pedrofunari@sti.com.br
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