Os Ofícios Tradicionais Como Vetente do Turismo Cultural
CONGRESSO VIRTUAL INTERNACIONAL DE CULTURA E TURISMO - 2001
Sandra Nogueira
Antropóloga
Portugal
O turismo não é mais do que um fenómeno migratório temporário.
Um fenómeno que acontece e é alimentado por um vai e vem de gentes, com os seus diferentes modos de falar, estar e actuar.
Na actividade turística de qualquer país ou comunidade podem ser encontrados aspectos positivos e negativos. O que pretendo com esta comunicação é reflectir sobre a vertente positiva que o incremento da actividade turística poderia exercer sobre as artes e os ofícios tradicionais portugueses.
Será o Turismo uma das" tábuas de salvação", para muitas das actividades artesanais em vias de extinção em Portugal?
O turismo é um excelente veículo de transmissão e divulgação cultural. É a primeira imagem mental que me surge. O Turismo como actividade quase mágica que permite uma mistura tão ímpar e infinita de ideias, costumes, linguagens, formas de estar e assim por diante.
Devem as comunidades que recebem turistas apenas receber o que vem do exterior? Devem adaptar-se e deixarem-se aculturar por aquilo que vem do exterior? E onde fica a história dessa comunidade? Que memórias devem persistir e continuar para além do tempo e do espaço? Devem essas comunidades esquecer as suas raízes? Como vencer este fenómeno ou como conjugar todas estas problemáticas, aceitando e, por vezes adoptando o que vem do exterior, sem perder a tão desejada identidade cultural.
É sem dúvida uma tarefa difícil esta de "trabalhar" o Turismo do ponto de vista positivo. E isto significa que se deve ter em conta não só o aspecto financeiro, mas também o aspecto cultural e um acreditar de que os aspectos que mais caracterizam ou identificam uma determinada comunidade não morrem nem desaparecem porque se "recebe em casa" visitantes provenientes de toda a parte. O que acontece é que às nossas memórias e vivências culturais se vão juntando outras partículas culturais que vão transformando essas memórias à velocidade que essa mesma comunidade permitir.
Tal como afirma o antropólogo acima citado -Marcel Maget-, os fenómenos materiais são aqueles que mais tempo permanecem visíveis e que servem de prova para muitas outras abordagens acerca da actividade humana no Planeta.
Olhar e conhecer os Ofícios Tradicionais, é uma extraordinária viagem a um passado que em muitos casos ainda faz parte do presente.
Afinal a cultura também passa pelos objectos.
Através deles contamos a história de parte da nossa História.
3 - Turismo e Preservação do Património
4 - Turismo: intercâmbios e aprendizagens entre visitantes e visitados
Estes 4 aspectos podem ainda ser olhados todos juntos e analisados na sua globalidade. As vertentes aqui levantadas estão todas próximas e, por conseguinte, interdependentes.
Neste sentido, o Turismo como fenómeno de massas que é, foi durante muito tempo considerado uma actividade urbana. Hoje, a ideia está completamente ultrapassada e a prova são as inúmeras regiões rurais que se abriram para esta nova forma de vender bem-estar, descanso e também cultura. O Turismo não é de forma alguma uma actividade urbana, mas sim uma actividade que exige algumas urbanidades. Quem faz turismo tenta obter durante esse período muito do que não consegue diariamente. Este desejo é corporizado num certo bem-estar e conforto material, que dá ao turista uma espécie de energia e o faz esquecer em parte o mundo donde provém. Aqui e, só aqui, as regiões rurais tiveram e têm de se adaptar. Temos cada vez mais cidadãos bem informados e exigentes que só querem o melhor. Têm de facto as regiões rurais de criar infra estruturas que possam atrair forasteiros e dar-lhes todas as condições para que estes ali permaneçam o maior tempo possível. Não vejo aqui qualquer adversidade entre o Turismo e o Mundo Rural. O que há é uma maior aproximação entre estes dois mundos. Existem diferenças, diferenças essas que são cada vez mais cultivadas por quem vive nas regiões rurais e, desejadas e apreciadas por quem vive nos espaços urbanos.
Este vai-vem de gentes, contribuiu para o cair das fronteiras físicas entre países e/ou regiões e simultaneamente para o estreitar de relações entre o tradicional e o moderno. Os media e o turismo podem ser considerados responsáveis pela globalização da cultura.
Sem dúvida, que a globalização é das temáticas mais polémicas do ponto de vista da afirmação cultural dos povos. Muitas têm sido as discussões entre os técnicos e inúmeras têm sido igualmente as opiniões. Esta realidade pode ser encarada quase como uma luta entre o bem e o mal. Por um lado, a Humanidade caminha tendencialmente para a unificação e homogeneização, mas por outro lado não abdica da diversificação.
Em altura de grandes revoluções ao nível da ciência Genética, contra a "clonagem" cultural insurge-se meio mundo. Lévi -Strauss defende que o que «deve ser salvo ou preservado é o direito à diversidade e não o conteúdo histórico que cada época deu, dado que nenhuma conseguiria prolongar-se para além de si mesma» (1973:339).
Desde há muito que, de um lado se encontram os defensores da globalização e, de outro lado os defensores das identidades culturais.
Porque a globalização é consequência da modernização, será esta última incompatível com a preservação das identidades culturais de cada um de nós?
Se inicialmente era usual pensar-se desta forma, neste momento e, dado o que se tem observado, o que está a acontecer é precisamente o contrário. Pedro García Gomes, Catedrático da Universidade de Granada, defende que a globalização é inevitável, o progresso e a diversidade são importantes para que a Humanidade não se "ossifique". O autor vai ainda mais longe quando afirma ser muito perigosa a noção de "identidade cultural", uma vez que a considera demasiado reducionista e desumanizadora. A globalização não deve ser restrita ao aspecto económico-financeiro. Esta, dá não só possibilidades aos indivíduos de acederem a outras culturas, como abre também caminhos para uma melhor e mais eficaz defesa das suas próprias referências culturais. Neste contexto a globalização não fará desaparecer as culturas locais, pelo contrário, tudo o que for realmente importante e valioso culturalmente, encontrará à escala mundial terreno propício para germinar, desenvolver-se e expandir-se.
Isto significa que a ideia da preservação das raízes culturais dos povos, deixa de cingir-se meramente às fronteiras físicas dos territórios. O reavivar de pequenos costumes e tradições locais, devolverá à Humanidade a riqueza da multiplicidade de comportamentos e manifestações de cada um dos povos. O mais interessante é que García Gomez defende e encara a globalização, não como um fenómeno de massificação e homogeneização, mas sim como elemento de diversificação.
Assim mesmo: a Cultura constrói-se e reconstrói-se todos os dias. Ela é imutável. Os objectos são por conseguinte construções culturais e, por isso não podem ser entendidos fora de um determinado contexto cultural. A função e o significado de cada artefacto estão intrinsecamente e inteiramente dependentes de padrões culturais. Ao estudarmos os Ofícios tradicionais, ou num sentido mais abrangente a cultura material de uma comunidade, estamos a conhecer melhor essa mesma comunidade.
O Turismo funciona sem qualquer dúvida como forma de preservação do património, ou melhor, de patrimónios. A prova disso, é que em Portugal algumas artes tradicionais "escaparam" da extinção precisamente por causa do fenómeno turístico, como é o caso da Olaria, da Tapeçaria e da Doçaria.
Adequados e cuidados planos de intervenção cultural, ajustados às realidades de cada região, podem funcionar como potentes "armas" de arremesso contra a descaracterização identitária das comunidades, regiões ou territórios.
A cultura é uma construção diária e por conseguinte, permanente. Neste sentido, o intercâmbio entre os "visitados" e "visitantes" é frutuoso porque se vai complexizando e crescendo diariamente. As trocas são permanentes e muito positivas, na medida em que se dá e recebe simultaneamente.
Podemos então encarar o acto turístico, como uma interessante forma de aprendizagem e de troca de conhecimentos e experiências. Todas as regiões que vivem sob este fenómeno, sabem o quanto é importante mante-lo vivo. Dele dependem não só o desenvolvimento económico dessa região, como também o crescimento e enriquicemento cultural da mesma.
Concluíndo, o turismo é uma excelente forma de afirmação cultural e através dele a preocupação de se manter uma certa identidade local ou regional, é uma realidade incontestável. O tradicional e o moderno caminham de "mãos dadas", num Mundo que se auto denomina cada vez mais como Global, standarizado, único. É sem dúvida muito interessante ver como é que as sociedades desejam tanto estar próximas umas das outras - mesmo quando as distâncias entre elas são de milhares de Quilómetro - e ao mesmo tempo, distanciam-se e marcam a diferença através dos seus elementos culturais, sejam eles físicos, morais ou psicológicos
Por tudo o que foi dito anteriormente, o turismo pode e deve ser uma das formas de preservação das Artes e Ofícios Tradicionais.
Quando muitas regiões em Portugal perceberem esta realidade, muito do Património que diariamente se perde, irá permanecer vivo e continuará a enriquecer e a perpetuar a história cultural das populações.
BIBLIOGRAFIA:
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1967, Manual de Etnografia, Lx, Publicações D. Quixote, 1993
1998 Why Some Things Matter, www.indiana.edu/~wanthro/miller.html 2001, citado por Tracy Luedke
2000 A Tanoaria no Concelho do Cartaxo, in Programa Nacional de Bolsas de Investigação para Jovens Historiadores e Antropólogos, 3ª Edição 1996/97 (Beira Litoral, Estremadura e Ribatejo), Volume III, Lisboa/Porto, Fundação da Juventude.
2000 Our Lady in Constant Help - Uses of Material, www.ub.es/easa/42w.html, 2001